Saúde Pública é um assunto muito polêmico, com debatedores fanáticos de ambos os lados. Uns parecem que defendem o SUS com uma paixão que só deveria ser dedicada a Deus, aos santos e a entes queridos, e outros o desprezam com uma fúria que a meu ver também é desproporcional e não adianta de nada.
Meu post pode soar polêmico para alguns, mas relembro que é apenas a minha opinião pessoal, baseada em experiência própria e de parentes próximos, e que eu não tenho pretensão nenhuma de neste humilde blog, o qual escrevo como hobby e no meu tempo livre, dar a "solução mágica" para a questão da saúde pública. Aliás, eu nem acredito que exista ainda uma resposta certa para qual é o melhor caminho para a saúde: ser 100% pública, 100% privada, um meio-termo, pública para algumas coisas e privada para outras, e por aí vai.
Eu também não acredito em ninguém que diga ter a solução mágica, até porque a maioria dos que dizem isso não trabalham na área de saúde e geralmente são apenas blogueiros escrevendo na internet.
Dito isto, vamos à minha opinião sobre o polêmico assunto:
O SUS é sim caro e ineficiente, desrespeitoso para com nós pagadores de impostos, poderia ser muito melhor, poderia ser melhor gerido, mas eu acho que poderia ser pior também.
Será que a saúde 100% privada seria melhor? Provavelmente seria melhor, mas será que seria o mar de rosas que dizem que seria, com cirurgias baratas, médicos disputando clientes a tapa cobrando preços módicos por suas consultas e teríamos UTIs com diárias acessíveis que não levariam ninguém a falência? Não sei, pois nunca vivemos nesta realidade. Qualquer opinião sobre isso é puro achismo.
(se alguém souber de um caso de um país onde isso acontece, por favor me diga...)
A saúde, infelizmente, é um produto caro por diversos motivos (por exemplo, a demanda por remédios, tratamentos e cirurgias geralmente é inelástica) e no SUS isso ainda é agravado por conta de desvios de verba e outras formas de corrupção. Com certeza há também as considerações econômicas relativas à questão da ineficiência estatal em relação ao mercado para gerir recursos que também influenciam isto.
Mas, apesar de tudo, eu "prefiro" o nosso sistema aqui do que o de outros países, mesmo com todas as nossas falhas ("prefiro" é uma palavra forte, eu sei). E o motivo não é puramente econômico.
Óbvio que eu não conheço a fundo os sistemas de saúde de outros países, no máximo tenho "referências anedóticas" (termo que pessoas metidas a inteligentes, especialmente da área de ciências naturais, adoram usar para arrotar "superioridade"). Mas para mim, que não sou médico e nem trabalho na área de saúde, elas bastam.
No fundo, talvez eu "prefira" o nosso sistema por já estar acostumado com ele e saber onde estão as falhas e onde devo tomar cuidado. Se eu emigrasse, teria que me acostumar com os problemas de outro lugar, e esta mudança seria dolorosa, provavelmente.
Como eu não tenho poder para privatizar ou melhorar a saúde pública, então só posso aceitar sua existência e lidar com ela da melhor forma possível.
Minha "referência anedótica": eu tenho uma pessoa na família que emigrou para o Reino Unido pois conseguiu um emprego por lá. De vez em quando conversamos e, quando o assunto é saúde, essa pessoa me relata algumas dificuldades que sofre com o National Health Service (NHS, o SUS britânico) e com médicos particulares também.
Para começar, me parece que lá os médicos são tratados como semi-deuses: é muito difícil ter contato diretamente com um médico por lá. Em consultas, geralmente você é atendido por enfermeiras e são elas que conversam com os médicos no seu lugar, até para pegar o atestado e a receita. O médico fica na sala dele, e nem te vê. Pelo menos foi essa a experiência que a tal pessoa da minha família passou.
Outro problema: parece que mesmo fazendo consultas particulares (fora do NHS) tem uma lei que obriga o cidadão a primeiro ir em um clínico geral para só depois ser encaminhado para o especialista que irá de fato tratar do seu problema. Isso é bom em alguns casos e para que hipocondríacos não sobrecarreguem os especialistas, mas convenhamos que tem vezes que não precisa ser médico para saber que tipo de especialista precisamos para tratar nossos problemas. Aqui no Brasil ao menos podemos ir direto ao especialista.
Outro problema: as enfermeiras tomam conta de coisas demais, e os médicos parecem mais burocratas que ficam só vendo coisas pelos sistemas, ao invés de ver os pacientes. Por exemplo, este meu parente já foi barrado na porta da emergência de um hospital porque a enfermeira de plantão não considerou que seu caso era "emergência" e o mandou embora do hospital sem direito nem a uma consulta ou a um exame - mas era mesmo emergência, foi um descolamento de retina bastante doloroso, que poderia ser grave e para piorar aconteceu em um domingo, com tudo fechado. A enfermeira em questão disse que o caso poderia esperar até segunda-feira e ser tratado em uma ótica. Aliás, isso é outra curiosidade sobre a medicina britânica: o oftalmologista não é bem um "médico", é mais um "técnico de oftalmologia" e atende pacientes em óticas. Me parece que é mais um ofício do que uma profissão de saúde, do jeito que este parente me contou.
Outra curiosidade: até onde sei, enfermagem é a única faculdade pública 100% "gratuita" que existe no Reino Unido (lá você paga para estudar mesmo que a faculdade seja pública, exceto se for enfermagem, conforme escrevi), provavelmente como forma de política pública para aumentar o efetivo de mão de obra em hospitais e o número de profissionais de saúde por habitante. Como consequência, muitas pessoas pobres e classe média baixa do Reino Unido acabam indo estudar enfermagem, pois é a única faculdade que são capazes de bancar. Como consequência disto, há muitas pessoas frustradas, que na verdade não queriam ser enfermeiras, mas se tornaram porque "era o que dava" - e na opinião deste meu parente, é por este motivo que tem tantas enfermeiras carrancudas por lá.
Por outro lado, me parece que o NHS é bem mais organizado, e tem mais hospitais, de modo que ao menos eles não ficam lotados que nem os do SUS - cada um vai para o hospital de sua "região", ou de seu "bairro", não é que nem a bagunça daqui em que o humilde hospital de uma cidade mediana precisa atender também à população das vinte cidadezinhas próximas que não têm hospital.
Outra coisa boa do Reino Unido: me parece que os planos de saúde são mais baratos do que aqui. Esta pessoa da minha família estava para ver um plano cuja taxa era de 600 libras por ano, o que daria uns 350 reais por mês se considerarmos a libra a 7 reais. Em geral os planos de saúde aqui no Brasil são mais caros que isso.
Outra curiosidade sobre os britânicos: eles parecem se preocupar menos com a saúde do que os brasileiros (isso é bom e ruim ao mesmo tempo). Uma evidência disto é que lá ninguém ou quase ninguém tem termômetro em casa para medir a febre. Eles quando acham que estão com febre, tomam um tylenol e deu, nem medem a temperatura. E também evitam ao máximo ir ao médico, só vão quando estão muito ferrados mesmo (mas também acho que aqui nós vamos ao médico demais... é importante ter um equilíbrio)
Enfim, eu """prefiro""" o nosso sistema público (e privado também) em relação ao britânico porque, em que pese este ser mais eficiente, ele me parece muito mais hostil. Ele me passa uma ideia de "isso é problema seu", "no meu entendimento isso não é emergência, por favor se retire", "você não pode falar com o doutor", "não, não vou te encaminhar pro cardiologista mesmo que você tenha histórico de enfartos, quem tem que te atender primeiro é o clínico geral, não interessa".
Agora falando sobre o Brasil, aqui ocorre uma distorção de certa forma semelhante ao caso das enfermeiras britânicas: muita gente aqui faz medicina pelo status e pela expectativa de ter uma renda bem mais alta que a média, e não por "ter o chamado" ou vocação para a medicina, e o resultado disso são muitos médicos que nem olham para a cara do paciente, tratam com arrogância, não são solícitos, e por aí vai.
(Claro que graças a Deus existem bons médicos que tratam bem seus pacientes e são solícitos, e muitos fazem caridade e atendem em determinados dias sem cobrar)
Outro problema nosso: os médicos estão muito concentrados nas capitais, de forma que viver em muitas cidades do interior é de certa maneira "inviável" por não ter disponibilidade de médicos, clínicas e laboratórios. Que dirá hospitais.
Se não me engano, os nossos conselhos de medicina proíbem os médicos e as clínicas de divulgarem publicamente seus preços (lembro de ter lido uma resolução de algum CRM de algum lugar dizendo que isso era "para não caracterizar o exercício mercantilista da profissão médica".... Fica aqui minha crítica aos Conselhos de Medicina: ora, se não se pode exercer a profissão médica "mercantilisticamente" então porque cobram pela consulta? Porque não vivem da caridade de seus aprendizes, de seus pacientes e da comunidade a qual servem, conforme preconizado por Hipócrates?) Penso que se não houvesse esta restrição, os preços das consultas tenderiam a ser mais baratos, pois saberíamos imediatamente quanto cada médico cobra.
Outro problema nosso: os hospitais daqui são os mesmos há pelo menos uns 50 anos - é raro construírem outro. Sempre que converso sobre estas coisas com meu pai ele diz que desde que ele era criança não construíram mais nenhum hospital em nossa cidade. E realmente os nossos hospitais públicos parecem ter parado no tempo. Os que eu já entrei ao menos eram assim.
Agora as coisas boas daqui: ao menos aqui eu consigo ir direto para um especialista quando sei qual é o meu problema. Consigo falar com os médicos, eles não são tão semi-deuses quanto os britânicos. As enfermeiras não me impedem de entrar no hospital. Comparando o preço de consultas e exames particulares, me parecem mais acessíveis aqui do que no Reino Unido, mesmo para consultas sem plano. Óbvio que depende do lugar.
Sobre a velha discussão Estado X Iniciativa Privada, eu acho justo que haja um meio termo. O que eu quero dizer com isso: em que pese o argumento de que "ninguém deveria ser obrigado a pagar pelo atendimento médico dos outros" eu não acho certo uma pessoa morrer porque não tem dinheiro para pagar por um atendimento em uma emergência, por exemplo.
Então, acho que no mínimo o atendimento da emergência poderia ser público e o resto poderia ser privado. Também acho que pelo menos alguma coisa do tratamento de câncer e outras doenças sérias poderia ser pública. Por quê estes casos, exatamente? Não sei, só acho. É o que me parece certo, e lembrem-se de que eu não tenho poder nenhum para mudar a realidade, então levem isso em conta antes de me criticarem. E não precisaria ser "dinheiro público" bancando isso, poderia ser um fundo custeado pelos habitantes de determinada cidade para atender emergências daquela cidade, por exemplo, ou uma empresa de seguros, ou algo assim.
Acho errado deixar alguém morrer por esta pessoa não ter dinheiro para pagar o médico e outras pessoas ainda acharem isso certo, dizerem que "ah, se não tinha dinheiro então era incompetente, incapaz, vagabundo, etc." (como já li por aí em discussões desse tipo). Sou contra isso porque seria uma forma de "darwinismo social" ("sobrevive quem tem dinheiro, quem não consegue ganhar dinheiro é um peso para a sociedade e é melhor morrer") - e do "darwinismo social" para a eugenia é um pulo.
Se aceitarmos que é válido alguém morrer porque não consegue pagar uma conta, então eventualmente a sociedade aceitará que é válido matar alguém por ser deficiente (na Islândia, por exemplo, é permitido abortar bebês com síndrome de Down, uma verdadeira tragédia que um dia cobrará seu preço), ou por ter QI abaixo de determinado número, ou por ter mais do que determinada idade (essa eu já vi defenderem também... já li por aí um cara dizendo que acima dos 75 anos a pessoa é um peso porque "polui mais o planeta do que é capaz de dar em troca para a sociedade"... daí para dizer que é melhor matar as pessoas acima de 75 anos é só um pulo. Fiquem atentos a estes supostos "defensores do planeta", pessoal. A maioria só quer uma desculpa para cobrar mais impostos e para matar pessoas sem ser preso), e quando nos dermos conta estaremos em um mundo onde seremos de verdade o tal do homo economicus, meros animais ou robôs que vivem para satisfazer necessidades fisiológicas.
Somos muito mais do que isso.
Fiquem com Deus!
"Será que a saúde 100% privada seria melhor?" - no brasil daria errado de qq maneira.
ResponderExcluiros politicos sempre dao um jeito de roubar, fora que os "donos" dos maiores planos de saude são politicos ou associados a eles
"ter o chamado" ou vocação " - cara, tem caso de médico que prefere vender tratamento a vender a cura, porque perderia dinheiro com isso. falência ética total.
Excluir"não se pode exercer a profissão médica "mercantilisticamente" então porque cobram pela consulta? " a sociedade vive de demagogia, o mesmo acontece na advocacia
ExcluirValeu pelos comentários, Scant. Também acho que aqui no Brasil mesmo sendo tudo 100% privado dariam um jeito de ferrar com os pobres e com a classe média de qualquer jeito.
ExcluirTambém estou ciente de que para alguns médicos desonestos (e empresas farmacêuticas) o negócio é vender paliativos para "farmar" a maior grana possível dos pacientes, deixando a cura para lá (e se bobear acusando de charlatanismo quem tem a cura e/ou fazendo lobby para o governo tornar a cura ilegal). Com o tempo a Verdade prevalece, mas até lá muita gente morre, infelizmente.
Esse lance do mercantilismo foi de lascar mesmo. Dissonância cognitiva na prática.
No Brasil, ao menos por enquanto, é melhor que seja 100% público. Sabemos da má gestão do dinheiro, mas também que se não for destinado para saúde não nos trará retorno algum (poderia,mas...) e nem saberemos onde irá parar. Da maneira como está ainda existe a obrigação do destino da verba pelo Estado e teoricamente todos podem se beneficiar. Se nosso sistema ainda não evoluiu o suficiente para fiscalizar o dinheiro a ser repassado ao SUS quem dirá em um novo destino para essa verba. Impostos sabemos que só aumentam, então é pura ilusão acreditar no contrário!
ResponderExcluirO que precisamos combater é médico batendo ponto em dois lugares ao mesmo tempo, ou seja, sem fazer atendimento no hospital público. Talvez estabelecer um pedágio em instituições públicas pricipalmente para médicos oriundos de Universidades Públicas. Melhorar a triagem e dificultar a banalização do atestado médico, pois é lamentável ver a quantidade de pessoas que estão lá por uma suposta dor de cabeça, início de febre ou outra, principalemente no domingo a noite ou segunda-feira pela manhã. Exigir cada vez mais transparência de contas públicas, arrecadação, gastos e salários, divulgação de nomes e horários de trabalho e canais de denuncia. Os hospitais privados estão aí, enquanto tivermos condições continuamos pagando por um suposto atendimento "melhor", quando ou se perdemos a condição (desemprego ou valor do plano elevado) também teremos onde recorrer, é justo e não deixa de certa forma regular o mercado. Considerando que a maioria da população sempre perde e a experiência de vida nos mostra isso (perda do padrão e aumento dos custos) que ao menos continue o SUS!
Valeu pelo comentário, anon. Penso parecido. O SUS poderia ser muito melhor e fazer triagens melhores, como você disse. E também acho que "ao menos temos o SUS",por pior que seja. Agora, também acho que a cobrança deveria ser maior, e que o SUS deveria ser de certa forma descentralizado, porque aí fica mais fácil cada local fiscalizar o seu pedaço do SUS.
ExcluirAbraços e volte sempre!
ME, meus 2 centavos.
ResponderExcluirAcho o SUS algo que deveria existir. Desse jeito, com certeza não.
Vacina, pré-natal, atendimento de crianças por saúde da família, essas coisas são essenciais e se colocar na ponta do lápis lá no fim significam economia para o sistema.
Agora, tudo para todo mundo vai ser insustentável. Se vc for um imigrante boliviano que chegou ontem e ir no posto pedir tratamento de hepatite ou vacina tríplice vai conseguir.
Imigra para o Canadá ou Austrália que são países que tem sistemas de saúde "universais" para ver se vc é atendido como imigrante ilegal que chegou ontem no pais.
Não vou nem entrar na questão dos procedimentos de alto custo e experimentais que são obtidos com a judicialização.
Obrigado pelo comentário, anon. Nossa opinião é parecida. Tudo para todos é insustentável mesmo, alguém vai ter que pagar a conta no fim, e a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Acho que o basicão pode ser mesmo universal, até porque é melhor dar vacina de graça do que depois precisar atender um monte de gente com hepatite, sarampo, tétano, etc. Essa questão que você falou dos imigrantes é bem real mesmo. Posso estar enganado, mas tenho a impressão de que é muito fácil ser imigrante ilegal no Brasil. Se bobear, não temos nem um serviço estilo ICE (polícia imigratória dos EUA) na nossa PF, o que é um grande erro, tendo em vista que realmente qualquer um entra e usufrui de nossos serviços sem ter pago por eles.
ExcluirProcedimentos experimentais também é complicado, não tenho opinião quanto a isso, se deveriam ser "Gratuitos" ou não. Acho que depende de cada caso.
Procedimentos estéticos também não deveriam ser cobertos pelo SUS (nem sei se são, mas se forem, isso é um grande erro, EXCETO nos casos de reconstrução facial após acidentes, por exemplo)