Estava assistindo aquele programa "Caçadores de Relíquias", do History Channel, aquele programa em que dois caras saem pelos EUA numa van procurando por colecionadores e acumuladores de praticamente qualquer coisa (vale tudo: de brinquedos antigos e tampinhas de garrafas até carros e peças automotivas antigas) para comprar e depois revender na loja deles. Se eles têm lucro nisso? Se têm muitos clientes? Se é doença? Não sei e não quero saber. A sensação que esse programa me passa, e que é o foco deste artigo, é como que a cultura dos EUA é rica e produtiva, e como eles têm muita história interessante, e as possibilidades que a economia deles, infinitamente mais livre que a nossa, proporciona, além é claro, do que eu considero mais importante que é a mentalidade de homem livre.
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Veja bem: os caras vão dirigindo pelos EUA. Passam por diversas cidades, e já a partir daí vemos como que as cidades lá são boas, até as pequenininhas, que (ao menos parecem) têm boa infraestrutura de serviços. Comparem até com algumas cidades médias daqui, e verão a diferença. Pelo menos neste aspecto de organização, cuidar das coisas públicas, ter preocupação em deixar as coisas com boa aparência, limpas e arrumadas, a cultura deles é bastante superior à nossa. Não me venham com esse papo de que nenhuma cultura é superior a outra porque isso é mentira para enganar trouxa. Há verdadeiros buracos por lá? Há cidades abandonadas, nojentas, cheias de problemas de infraestrutura? Há sim, infelizmente. Mas na média, eles são bem melhores que a gente nesta parte de urbanização.
Aí a dupla entra no terreno de algum cara, geralmente com um estilão meio caipira, que é famoso no local por ter uma grande coleção de determinada coisa, e é essa coisa que eles querem comprar para revender.
Aí você vê que a pessoa, na maioria das vezes, tem um terrenão, com verdadeiros galpões entulhados de coisas, geralmente carros e motos antigas, e às vezes coleciona até mesmo algumas coisas bizarras como latas de óleo, placas, letreiros, brinquedos antigos, etc. Os dois negociantes do programa começam a conversar com o sujeito, que mostra a coleção pra eles, conta umas histórias a respeito de alguns itens, o apresentador principal do programa conta as curiosidades que sabe a respeito, geralmente uma história foda de alguma empresa que faz parte da história dos EUA e ajudou de certa forma a construir o país (sempre é uma história interessante), empresas que criaram coisas incríveis do nada (várias montadoras de carros, motos, máquinas industriais, etc.) ou então que reinventaram e aperfeiçoaram muitas coisas que já existiam (brinquedos, jogos de tabuleiro, ferramentas, aviões, animação, filmes, etc.), e neste grande e contínuo processo criativo muita coisa boa foi somada à sociedade, que cresceu e engrandeceu culturalmente, de modo que a cultura norte-americana domina todo o mundo ocidental e uma boa parte do oriente. Vários padrões, hábitos, costumes, etc. foram eles que estabeleceram, eles que inventaram, e o resto do mundo foi influenciado.
Em suma, os EUA tem uma porção de grandes empresas que realmente somaram para o país e para a sociedade americana (muito mais do que as grandes empresas brasileiras fizeram pelo Brasil), e isso foi em parte proporcionado pela mentalidade e pela cultura própria daquela sociedade e em parte pelo fato de a economia deles ser infinitamente mais livre que a nossa e a de vários outros países. Isso tudo permitiu surgir uma variedade imensa de empresas em N setores, e permitiu e ainda permite, entre outras coisas, que pessoas comuns (com aquele jeitão de pobretão e caipira) tenham terrenos enormes e tenham muitas coisas neles (não estou entrando no mérito de se é bom ou mau uso do dinheiro, estou falando apenas da possibilidade). Sério, vendo esse programa fica a impressão de que qualquer zé-mané dos grotões dos EUA é capaz de ter um terrenão, galpões, vários veículos, ser praticamente auto-suficiente, etc., enquanto que aqui... melhor nem falar.
Quando eu comparo com o Brasil, vejo que temos pouquíssimas empresas que de fato somaram, que contribuíram com algo além dos empregos que geraram e dos dividendos pagos pros acionistas. O meu argumento é que aqui não teríamos tantas relíquias para serem caçadas, usando o linguajar do programa. Aqui não atravessamos nenhum período virtuoso de rompantes criativos nas empresas, pegamos tudo pronto, importamos tudo, até as empresas que surgiram aqui para começar nossa indústria, na primeira metade do século XX, eram em sua maioria multinacionais já estabelecidas no mundo e que simplesmente abriram mais uma filial aqui no Brasil.
Repetindo, pegamos muita coisa já pronta, e a desvantagem disso foram vários aprendizados que nossas empresas e empresários deixaram de ter, várias tecnologias que não desenvolvemos por conta própria e tivemos que importar e/ou tivemos que pagar mais caro para ter acesso, entre outros problemas. Por causa disso, não somos reconhecidos no mundo por praticamente nada. Parte disso é culpa do Estado, por causa do excesso de burocracias, regulações e impostos, que inibem o espírito empreendedor do brasileiro, e em parte por causa da própria mentalidade brasileira de desprezar o trabalho e a mentalidade criadora: aqui enaltecemos a malandragem, a boemia, a exploração dos outros, o "levar vantagem". As empresas e pessoas aqui no Brasil, de modo geral, são mais "exploradoras" do que "criadoras": as empresas exploram os empregados (horas extras não pagas, demandas fora do horários do expediente, não deixar que o empregado realmente se desenvolva, etc.), enquanto que muitos dos empregados aproveitam qualquer oportunidade para vagabundear (inventam desculpas para faltar, para sair mais cedo, atestados médicos falsos, etc.), e por qualquer motivo processam a empresa.
Vejam a diferença de mentalidade entre os 2 países: lá eles têm uma cultura criadora, com vontade de voluntariamente agregar coisas pra sociedade (chamam isso de espírito de homem público) tudo isso com suporte da mentalidade americana de "homem livre", que quer fazer as coisas por si próprio, ser dono do próprio nariz e, principalmente, que aceita os deveres e responsabilidades da liberdade.
Exemplos da mentalidade americana:
- sou responsável por cuidar de mim e da minha família, então vou cuidar bem da minha casa para ela não ser um antro de doenças;
- a chuva derrubou uma árvore no meio da rua, então vou me juntar aos vizinhos e dar um jeito de desbloquear a passagem;
- a obra da minha casa gerou muito entulho e sujeira, por isso que desde o começo eu contratei uma caçamba bem grande para levar logo isso daqui pra não atrair ratos e esse lixo não deixar minha rua feia;
- vou cuidar do meu gramado para não atrair bichos e manter a boa aparência da minha casa e do meu bairro, porque isso ajuda a não desvalorizar a região, além de manter um ambiente bom e agradável para todos;
- teve um assalto essa semana, então eu e meus vizinhos vamos passar a patrulhar as ruas de noite, fazendo rondas, pois não queremos que nossos filhos cresçam num bairro perigoso;
- Preciso de um carro, então vou trabalhar no McDonald's, e nos fins de semana vou fazer bico de bartender, para juntar dinheiro e comprar o carro. Não há demérito nenhum em trabalhar no McDonald's, ou em fazer bicos, ou em catar latinhas para revender, etc. O ruim é ser vagabundo.
- Não vou aguentar trabalhar até os 70 anos, então vou economizar e investir "X" dólares por mês para conseguir me aposentar ou trabalhar só meio expediente quando quiser. Não quero depender de ninguém.
- Não vou esperar o governo resolver, vou lá eu mesmo fazer, não quero que o governo se meta, sou um homem livre.
E por aí vai.
Aqui no BR é o contrário: temos uma cultura exploradora - na média, as pessoas querem pegar o que puderem pegar, e depois ir embora, sem se importar se estão agregando alguma coisa pra sociedade ou destruindo. Não há espírito de homem público: tudo é responsabilidade do Estado, a coisa pública não é de todos: é de ninguém, então dane -se. Nossa mentalidade não é de "homem livre", mas sim de escravos e senhores de escravos, alternando entre estes papéis. Parece que não queremos a liberdade, e que não estamos prontos para as responsabilidades inerentes a ela.
Exemplos de típicos pensamentos brasileiros:
- É responsabilidade da prefeitura fazer todas as obras e recolher todo o lixo, então vou deixar minha calçada ficar suja e esburacada porque não é problema meu, não importa que todo mundo pense assim e isso vá aos poucos transformando meu bairro num gueto sujo;
- A minha rua é de barro e o prefeito nunca manda asfaltar então toda vez que chove fica tudo enlameado e os carros não conseguem passar. Vou juntar os moradores e fazer uma vaquinha pra asfaltar e resolver o problema? Claro que não, eu vou é continuar esperando a prefeitura asfaltar, porque não é problema meu, dane -se se vier uma enxurrada e dar perda total nos carros dos vizinhos;
- Não me importo de jogar lixo na rua e no bueiro porque depois o lixeiro cata, é o trabalho dele. Mas se quando chover e a rua alagar eu perder minha casa e meus móveis, vou exigir uma indenização da prefeitura;
- vou deixar meus filhos nadarem no valão, porque criança tem que brincar. Se alguém ficar doente, é pra isso que serve o hospital público e os postos de saúde;
- vou montar um barraco numa encosta mesmo e dane -se. Se a enxurrada derrubar minha casa, a culpa é do governo e se bobear eu ainda pego uma indenização;
- Nunca que meus filhos vão trabalhar no McDonald's /na Construção Civil / lavando carros / etc. Meus filhos vão trabalhar de terno e gravata, vão ser advogados e doutores, não interessa se só começarem a trabalhar depois dos 25, 30 anos. O ruim seria eles trabalharem em empregos que não são dignos deles.
- É um absurdo que a maioria dos aposentados estejam ganhando só um salário mínimo do INSS. Espero que até eu me aposentar, o governo conserte isso e o INSS pague aposentadorias mais justas.
- Isso aqui é o governo que tem que fazer, e não eu. O presidente / governador / prefeito que resolva!
Com este texto eu quero dizer que os EUA são um país perfeito? Não, eles têm um monte de defeitos, a sociedade deles é tão ou mais doente que a nossa (perfeccionismo com a vida e com a carreira, pressão absurda desde o berço para "vencer na vida", bullying em níveis que beiram a psicopatia, consumismo desenfreado para preencher grandes vazios existenciais, etc.), várias das empresas de lá também têm a mentalidade exploradora (principalmente quando atuam fora dos EUA), nem tudo são flores.
E eu quero dizer que o Brasil é um país destinado ao fracasso eterno? Não, nós podemos melhorar, e cada pessoa tem o dever de educar seus filhos da melhor maneira possível, de modo que a nossa cultura exploradora vá morrendo aos poucos, e sendo substituída por algo que preste, algo que ajude o povo a prosperar.
O que vocês acham da mentalidade brasileira? E de outros países?
Forte abraço, fiquem com Deus.