Conforme
disse na parte II, uma família onde o pai e a mãe ganhem, cada um, salários “na
média” – R$2.200,00 – consegue se virar, ainda que com algum aperto. O que
enxergo como dificuldade nisso tudo é a manutenção destes empregos e desta
renda.
Atualmente, as relações de emprego
no Brasil estão se deteriorando. Conforme já escrito aqui e em outros blogs,
aos 40 anos você já é um velho para as empresas (na média).
Arrisco-me a dizer
que, para algumas empresas, você é um estorvo, visto apenas como um custo, não
importa sua idade, mas isso piora dos 40 em diante, a não ser que você seja um
diretor ou algo assim.
Agora, some isso ao fato de que hoje em dia, ao
contrário de antigamente, você é “mal visto” se (conseguir) ficar muito tempo
na mesma empresa (você é um “acomodado”, um “sem ambição”, na visão do
empresário nutella –um dia escreverei sobre esse tipo de empresário), e terá
uma ideia do tamanho do problema que enfrentaremos daqui a alguns anos. Estamos
passando por uma grande transição no mercado de trabalho, realmente. Hoje em
dia praticamente não há mais plano de carreira, e está cada vez mais normal
você ficar estacionado num mesmo cargo até te mandarem embora. Na verdade,
conversando com alguns conhecidos, vejo que já há pessoas com medo de serem
promovidas, porque, se o forem, “ficarão mais caros para a empresa”, o que aumentará
suas chances de serem levadas em conta no próximo corte de custos.
Na época de meu pai, as coisas não
eram assim. Ele ficou praticamente 30 anos na mesma empresa, teve uma carreira,
e dizia que “se fosse demitido, era só procurar outro anúncio no jornal”. E
olha que naquela época, ele dizia, as pessoas já reclamavam de desemprego e
diziam que “as coisas estão difíceis”. Pelo visto, as coisas nunca foram
fáceis, mas pelo visto estão mais difíceis hoje.
Outra coisa que piorou bastante,
pelo menos nos últimos 15 ~ 20 anos, foi a questão dos horários de trabalho. O
governo obriga as empresas a pagar vários encargos que encarecem
artificialmente os trabalhadores. Isso forçou as empresas a encontrarem
soluções “criativas”, e a mais usada delas é a questão de os empregados não
terem horário para sair, o que diminui o salário por hora, “diminuindo” os
custos da empresa (pelo menos potencialmente, porque com o pessoal trabalhando
até mais tarde, outros custos sobem, como luz, água, papel, telefone, cafezinho,
etc.).
O meu pai, por exemplo, praticamente só ficava até mais tarde nas épocas
de fechamento de balanço. Eu quase nunca saio no horário, mesmo que não tenha
nada para fazer ou nada que não dê para esperar, só porque “pega mal" sair assim
que dá a hora, é sinal de que "você não veste a camisa”. Hoje, estou “mais
tranquilo” e saio na média quarenta minutos depois do fim do expediente, mas em
outros trabalhos que tive já cheguei a sair mais de meia noite (só aconteceu
uma vez, em que fui designado para fazer um projeto com um chefe muito
workaholic e que tinha problemas em casa – uma combinação fatal) e já tive
épocas em que saía na média às 19h30, 20h, para só chegar em casa às 21h, só
porque os chefes exigiam e ficavam irritados com quem saía no fim do expediente.
O próprio desemprego contribui para esse tipo de situação seja comum, pois
aumenta o poder de barganha das empresas, e isso piora a questão dos horários e
das exigências: todo mundo sabe que tem milhões de desempregados querendo sua
vaga, e que aceitariam trabalhar por menos do que você ganha, então isso dá
muito poder ao seu chefe para exigir mais de você.
Outra consequência ruim deste
arranjo: com mais exigências no trabalho, as pessoas têm menos tempo para elas
mesmas (menos tempo para o desenvolvimento pessoal) e para suas famílias. Os
desdobramentos disso se sentem no longo prazo: famílias menos unidas e desestruturadas,
filhos que não são criados propriamente, que crescem com pais ausentes, etc.
Muito triste esta realidade. A
deterioração das relações de trabalho, bem como a deterioração dos empregos em
geral, dificulta a chance de as pessoas melhorarem suas vidas (financeiramente)
e, no longo prazo, todos tendem a sofrer com isso: a retração simultânea do
consumo e da poupança, provocada pela diminuição da renda das famílias, gera um
ciclo vicioso de diminuição de investimentos das empresas (pela diminuição da
poupança) e de suas receitas (pela diminuição do consumo), o que tende a
aumentar o desemprego e diminuir as rendas das famílias, mantido tudo o mais
constante.
Claro que outra consequência disso é o aumento da informalidade, o
qual ajuda a segurar um pouco a diminuição do consumo e da poupança, mas o
problema é que o crescimento da economia informal é muito limitado, uma vez que
há a a preocupação dos informais em se manter fora do radar do fisco.
Outra coisa preocupante que se pode
perceber na série histórica do rendimento médio (que mostrei na parte II) é que
ela se trata de uma série do rendimento médio REAL, e este está se mantendo
praticamente constante desde 2012, pelo menos. Se observarmos outra série histórica semelhante, também na página do Banco Central, que vai de 2001 até 2016, na
escala logarítmica (para suavizar os efeitos do gráfico e enxergar melhor a "tendência"), veremos que de 2001 até mais ou menos 2010 o rendimento
médio real cresceu lentamente, e a partir daí se tornou praticamente constante,
com pequenas quedas em alguns meses (observando os dados em forma de tabela isso se vê mais facilmente):
Isso significa que, na média, os salários mal estão acompanhando a inflação e têm crescido bem devagar nos últimos 6 anos. Este crescimento pequeno do rendimento familiar, caso seja menor que o crescimento da produção, também tem potencial para prejudicar a geração de receita das empresas, uma vez que, caso as mesmas não consigam exportar a produção excedente para compensar as quedas das vendas no mercado interno, deverão reduzir sua produção para evitar estoques ociosos.Outra consequência ruim do baixo crescimento da renda é o potencial aumento do endividamento das famílias: muitos preços são reajustados conforme a inflação, notoriamente alguns contratos de aluguel, fretes, etc. A inflação sempre é repassada e no fim quem paga, quem absorve a pior parte, são as pessoas comuns que vivem de salário, os quais nem sempre são reajustados conforme a inflação - lembrem-se de que as séries históricas apresentadas representam as situações médias.
Tudo o que escrevi indica uma combinação fatal: reajustes que mal acompanham a inflação, empresas cortando custos com pessoal, carreiras congeladas ou inexistentes (implicando em menores possibilidades de aumento de renda familiar)... Tudo isso tende a culminar numa retração de demanda e encolhimento da poupança, diminuindo o potencial de crescimento do patrimônio dos brasileiros, em média.
Isso, é claro, se nada mudar. Nenhuma análise econômica pode ter resultados "definitivos", pois não há como prever com 100% de acerto como "a economia" vai reagir aos acontecimentos micro e macroeconômicos.
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