domingo, 26 de maio de 2019

Considerações sobre o padrão-ouro



Eu sou entusiasta do padrão-ouro.
Creio que todos compartilham o desejo de uma moeda estável e forte, pois o que o ser humano mais deseja em sua vida é o conforto ou, pelo menos, a redução de seu próprio desconforto inicial. Com uma moeda estável, o sério problema dos ciclos econômicos seria resolvido, melhorando enormemente o padrão de vida (leia-se o conforto) de toda a sociedade. Posteriormente explicarei o motivo disso. Na opinião dos estudiosos das teorias liberais, o melhor caminho para uma moeda estável é adotar o padrão-ouro, ou seja, lastrear a emissão de moeda em ouro. Assim era feito antigamente, quando da invenção da cunhagem de moedas. O ouro, por ser durável, facilmente reconhecível, suficientemente escasso, maleável e de fácil cunhagem, foi o meio de troca voluntariamente aceito pela sociedade. Só em 1971, quando Nixon quebrou o acordo de Bretton-Woods é que o padrão-ouro foi totalmente abandonado. Ou seja, o atual sistema financeiro (sem lastro) só existe há menos de 50 anos. Em termos históricos, isto não é nada, e a meu ver o estrago já é grande. 
Atualmente, há quem acredite que o mundo caminha para uma crise ainda mais severa que a de 2008, devido à eventual falência do modelo de desenvolvimento nacional baseado no endividamento do Estado. Há quem afirme que, para combater a inflação que e tornar menos piores as consequências da grande crise, o melhor caminho seria a volta do uso do ouro como lastro do dinheiro. Com o advento do bitcoin e outras criptomoedas, alguns consideram que já não seria mais necessário uma moeda com lastro em algum ativo físico, e que as moedas digitais supririam perfeitamente esta função de “moeda forte”. Sinceramente, não sei se concordo com isso (Quando eu tiver estudado mais sobre criptomoedas, vou expor minhas opiniões aqui. Creio que ainda não estudei o bastante para opinar sobre elas).

Eu concordo plenamente que uma moeda estável e forte traz muito conforto e segurança para a sociedade, além de praticamente eliminar o problema da aposentadoria (bastaria saber poupar o dinheiro para garantir alguma renda decente nos anos de inatividade) e a necessidade de um sistemas de aposentadoria públicos. O planejamento financeiro se torna muito mais fácil se não houver o fantasma da inflação escurecendo o futuro... Sinceramente, eu gosto da ideia de moedas com lastro em metais preciosos. Elas me passam a sensação de que são dinheiro "de verdade". É triste saber que nossa moeda não vale praticamente nada e que até mesmo nos demais países latino-americanos não é bem aceita. Não sei quanto a vocês, mas quando penso em como o Real está fraco, sinto que meu salário é uma enganação: sou da classe média no Brasil, até porque aqui o Real é de curso forçado -ou seja, no Brasil todos têm que aceitar reais como pagamento e instrumento de quitação de dívidas, por força de lei -  mas em qualquer lugar desenvolvido eu seria praticamente um mendigo, meus reais não valem nada. Triste a nossa realidade. 

Eu gostaria muito que nossa moeda fosse forte, e de preferência com lastro em ouro. 

 O meu único porém é a respeito da quantidade de ouro necessária para sustentar o volume de negócios atual. Será que há ouro suficiente no mundo para atender à demanda? Seria possível cunhar moedas de ouro suficientes? Ou será que voltaríamos ao padrão-ouro clássico, no qual guardava-se o metal precioso num banco, que por sua vez emitia um título comprovando o depósito, documento este resgatável em ouro (esta foi a origem do papel-moeda) e que seria usado nas trocas do dia-a-dia? Sendo este o caso, o governo deveria ficar “de olho” nos bancos, para evitar que eles emitissem mais títulos do que a quantidade de ouro que havia no cofre, o que de fato aconteceu em nossa história, e ainda acontece, dando origem ao sistema de reservas fracionárias – ou seja, os bancos só têm em suas reservas uma fração do total da soma de todas as contas-correntes. Justamente por isso, um boato bastante convincente de que tal banco está indo à falência pode fazer com que ele de fato quebre, pois quando todos os correntistas forem, ao mesmo tempo, correndo para sacar seu dinheiro, o banco não terá o suficiente para atender a todos e ficará sem dinheiro nenhum. Os correntistas que “chegarem atrasados” e não conseguirem sacar a tempo também ficarão sem o seu dinheiro, e provavelmente processarão o banco, o qual eventualmente terá que liquidar todos os seus ativos para honrar suas dívidas e, com isso, deixará de existir.
Dizem os liberais que não haveria problema quanto à quantidade de ouro, pois o mercado se adaptaria à quantidade de dinheiro disponível. Assim, quando houvesse poucas moedas de ouro disponíveis no país (o que seria provocado, por exemplo, por um excesso de importações em relação às exportações), os preços encolheriam, uma vez que ninguém teria dinheiro em quantidade física suficiente para custear valores altos. Os comerciantes poderiam até demorar um pouco a reduzir seus preços, mas seriam eventualmente obrigados a fazer isto, tendo em vista que não conseguiriam vender nada aos preços antigos, de quando havia moedas em maior quantidade. Por outro lado, um grande aumento nas exportações que gerasse superávit na balança comercial faria com que a quantidade de ouro disponível aumentasse. Havendo mais moedas em circulação, isso permitiria aos comerciantes aumentarem os preços de seus produtos e serviços. Segundo os liberais, estas variações nos preços nada têm a ver com a ideia keynesiana de inflação/deflação, pois o dinheiro não teve seu valor alterado. Vou tentar explicar porquê: antigamente, quando o padrão-ouro era seguido no mundo inteiro, os nomes das moedas – dólares, libras esterlinas, francos, francos-suíços, marcos, etc. – eram simplesmente nomes diferentes para diferentes quantidades de ouro (assim como “um metro” é outro nome para “cem centímetros”), ou seja, eram meras unidades de medida. Por exemplo, uma libra esterlina equivalia a aproximadamente 0,25 onça de ouro. A grosso modo, para tornar mais simples o entendimento, os ingleses diziam “isto custa uma libra esterlina” ao invés de dizer “isto custa um quarto de onça de ouro”. Não havendo fraudes no processo de cunhagem das moedas, mesmo que os preços das mercadorias aumentassem ou diminuíssem, uma libra esterlina continuaria valendo 0,25 onça de ouro. Um metro são sempre cem centímetros, da mesma maneira que uma libra esterlina sempre equivalia a um quarto de onça de ouro. O que poderia mudar era a quantidade de ouro necessária para comprar uma casa, por exemplo.
Uma confusão que pode ser feita a partir deste raciocínio diz respeito à definição de inflação. Para os keynesianos, a inflação é uma alta contínua e generalizada dos preços da economia. Para os liberais, a inflação é, basicamente, a perda de valor da moeda (consequentemente, isto também gerará uma elevação nominal nos preços, mas este é o efeito, e não a causa da inflação). Aplica-se o raciocínio contrário para a deflação (ganho de valor da moeda, que gera uma diminuição de preços). Portanto, nos exemplos dados acima (de déficit e de superávit na balança comercial), não houve inflação, uma vez que a moeda não perderia seu valor em ouro. Uma libra esterlina continuaria valendo 0,25 onça de ouro (novamente, assumindo que não houvesse fraude na cunhagem das moedas). Afinal, trata-se de uma unidade de medida. Não seria absurdo que se estabelecesse que, em um metro, há uma quantidade variável de centímetros, às vezes 100, às vezes 202?
Explicando melhor, sendo a moeda lastreada em ouro, e o ouro sendo uma commodity, seu valor também é determinado pela lei da oferta e da demanda. Por isso, no caso de um superávit comercial, haveria mais ouro na economia. Esta abundância do metal precioso forçaria o seu valor para baixo (ou seja, o ouro seria menos valorizado pelas pessoas; seria encarado como um bem mais comum. Portanto, não se conseguiria cobrar um preço muito alto pelo ouro), e isso é que provocaria um aumento nos preços – a quantidade de moedas necessárias para se comprar o mesmo produto seria maior, ou seja, aumentaria a quantidade de ouro necessária (note que as moedas ainda seriam equivalentes à mesma quantidade de ouro!). Caso houvesse numa economia ouro suficiente para tornar seu valor irrisório (digamos, ouro praticamente nascendo em árvores), a quantidade de moedas de ouro necessárias para se comprar um pão, por exemplo, seria tão grande que não valeria à pena carregá-la até a padaria, por vários motivos: esforço físico (caso fossem moedas metálicas ou lingotes), praticidade, risco de perder o dinheiro no caminho, risco de ser roubado, etc. Neste cenário, o ouro provavelmente seria abandonado como meio de troca e outra coisa substituiria o ouro como lastro para as moedas. Este substituto poderia ser qualquer um que a sociedade aceitasse voluntariamente e que fosse suficientemente escasso para que seu uso valesse à pena. Poderia ser outro metal precioso, como por exemplo a prata, o paládio, o nióbio ou a platina; poderia ser alguma pedra preciosa (diamantes, rubis, etc.), poderia ser também alguma commodity agrícola, como o trigo (mas há neste caso o risco da superprodução de trigo, o que provocaria outra mudança de meio de troca); já houve na História até mesmo o exemplo do lastro em terras (a não ser que houvesse uma expansão do território, não haveria como criar mais terras. Portanto, isso a tornava “escassa o suficiente”)... Enfim, se fosse necessário, o ouro seria substituído por outra coisa, pela própria vontade da sociedade, sem necessidade de imposição exógena. O próprio mercado (que é a sociedade como um todo) encontraria a solução para este problema, pois as pessoas precisam de bens e serviços. Portanto, “o show tem que continuar”.
Entretanto, um cenário tal qual o descrito acima é praticamente impossível de ocorrer em um padrão-ouro, uma vez que este metal é suficientemente escasso para impedir que sua acumulação chegue a tal ponto. O exemplo dado é muito mais provável de acontecer com uma moeda lastreada em grãos de areia, em folhas de goiabeira ou em moedas sem lastro algum (o que infelizmente é o caso de praticamente todos, senão todos, os países do mundo hoje em dia).
O caso das moedas sem lastro (ou moedas fiduciárias, ou seja, que necessitam puramente da confiança e da fé da sociedade em seu valor para serem usadas como meio de troca) merece muita atenção, pois aí está uma das principais causas de todas as crises que ocorreram no século XX e no início do XXI, além de todas as outras que ainda virão enquanto o mundo persistir neste erro: o fato (mencionado acima) de os bancos poderem emprestar mais dinheiro do que têm em suas reservas faz com que eles praticamente “imprimam” dinheiro, aumentando rapidamente e artificialmente a oferta de moeda na economia. Como o valor de um bem é determinado por sua escassez, a progressiva abundância de dinheiro faz com que cada unidade monetária valha cada vez menos, o que pressiona os preços de todos os bens e serviços para cima e causa empobrecimento da população, uma vez que os salários não costumam aumentar na mesma proporção e nem na mesma velocidade. Numa economia que adota o padrão-ouro (ou que lastreie sua moeda em algum bem suficientemente escasso), isso é muito mais difícil de ocorrer, uma vez que os bancos precisariam adquirir alguma quantidade de ouro para lastrear suas emissões de dinheiro (mesmo que adotem as reservas fracionárias). A desvalorização da moeda, se ocorrer (caso da adoção das reservas fracionárias), seria muito menor e exponencialmente mais lenta do que no caso atual do mundo, no qual o dinheiro não tem lastro algum.  

terça-feira, 7 de maio de 2019

Trabalhar não é ruim - o ruim é o emprego

Boa noite, amigos.

Semana passada foi bem dura para mim, tanto que não tive saco para escrever no domingo, como tenho feito desde que comecei o blog. Usei o final de semana para realmente descansar, tanto física quanto mentalmente.

Tive a ideia desse post (um misto de desabafo com constatação da realidade) enquanto assistia a um episódio de uma série ("Chicago Med" - uma série meio legalzinha, mas que claramente segue uma agenda esquerdosa, assim como todas as produzidas pelo Dick Wolf) que assisto de vez em quando (na verdade, nem gosto de séries, mas praticamente só tem isso para ver aos domingos, então vejo mais para me distrair mesmo). No episódio em questão, um médico é forçado a sair no meio de uma cirurgia porque recebe uma ligação de um suposto bandido, dizendo que sequestrou sua noiva e queria o resgate (na verdade era um golpe), e deixa a operação nas mãos da médica assistente. Acontece que o paciente em questão era algum ricaço (paciente VIP), e assim que uma secretária / peguete / sei lá o quê dele (não vi o episódio todo) fica sabendo do abandono do médico, ela vai, ameaçadora, conversar com a diretora do hospital, dizendo que se a cirurgia não fosse perfeita, ela garantiria que, além de levar um processo, o tal médico ainda perderia o emprego, e disse também que daria um jeito de a diretora do hospital também ser demitida.

Não vou discutir aqui se o médico agiu certo ou errado. O meu ponto é o seguinte: o emprego de uma pessoa é frequentemente usado como recurso para ameaças. Já vi isso em muitos filmes (uma frase relativamente comum é a clássica "você nunca mais vai trabalhar nessa cidade!!!") e já vi e ouvi falar de coisas pavorosas na vida real. Se pararmos para pensar, nossos empregos são também, de certa forma, fontes de fraquezas e vulnerabilidades, principalmente quando dependemos deles. Conforme diversos nomes da blogosfera das finanças já escreveram (especialmente o "falecido" Pobretão), nos ambientes de trabalho há muitas ameaças, explícitas e implícitas, e vivemos com a sensação de estarmos constantemente na corda bamba, à sombra da demissão, que pode chegar literalmente a qualquer momento. E quanto mais alto você "sobe" na carreira (se tiver uma), mais vulnerável você está, uma vez que o custo de perder o emprego se torna cada vez maior, bem como a recolocação no mercado se torna mais difícil
Praticamente não importa o quanto ou o quão bem trabalhemos, ou o quanto sejamos competentes e bons no que fazemos, é quase inevitável que eventualmente escutemos frases como essas abaixo:

- "Sou eu que coloco comida na sua mesa"
- "Sou eu que pago a escola do seu filho"
- "A porta da rua é serventia da casa"
- "Não gostou, pede demissão" (essa eu já perdi a conta de quantas vezes já ouvi!)
- "Não quer vestir a camisa não???"
- "Já vai sair?"
- "Não quer vir no sábado? Tem um monte de gente lá fora querendo" e etc.

Isso tudo é triste, porém real. Gostaria que fosse diferente e que os ambientes de trabalho fossem mais harmônicos, com menos pressão, menos puxadas de tapete, e mais amizade, mais respeito, mais consideração pelo próximo, etc. mas a realidade não é assim. O mercado, mesmo um  extremamente oligopolizado como o brasileiro, é altamente competitivo, então a pressão e o estresse são quase inevitáveis. Somando tais ambientes de estresse e pressão com o que falei no meu post sobre a escolaridade no Brasil, além da dificuldade de se abrir empresas (e mantê-las), e o alto custo dos direitos trabalhistas, o resultado só poderia ser esse: empregos mais escassos e frágeis. Além disso, como a CLT faz cada empregado custar caro, as empresas tentam compensar isso empurrando-lhes mais trabalho e obrigando-os a ficarem mais horas. Se o número de tarefas aumenta, a pressão para dar conta aumenta, e o risco de errar sobe também.

No lado do gerente/supervisor/diretor as coisas também não são fáceis. Conforme o exemplo do hospital, acima, é normal o chefe levar a culpa por erros dos subordinados e, dependendo da gravidade do erro, ser punido junto, como se ele tivesse tempo e capacidade de controlar/orientar todos os atos de todos os subordinados o tempo todo. Além disso, estar num cargo intermediário (meu caso) é como estar entre a bigorna e o martelo: ouvir todo dia reclamações dos dois lados, receber as metas insanas dos chefes e repassá-las para o setor, implantar processos/sistemas novos, fazer relatórios por whatsapp, reuniões intermináveis (e muitas vezes inúteis), etc. Ou seja, muita pressão, muito risco de errar e muito estresse.

Outra coisa ruim dos empregos é que, uma vez neles,  parece que sua família sente medo por você: caso nunca tenha feito isso, tente, uma vezinha só, comentar num almoço de domingo, por exemplo, que você não está gostando do emprego e cogita procurar outro e pedir demissão. Em 99% das vezes sua família vai te "agourar", dizendo que você não pode fazer isso, porque as coisas estão difíceis (e quando não estiveram??) e que você tem que pensar muito bem, repensar mil vezes sua decisão, tentar tirar umas férias para esfriar a cabeça, etc. etc., como se fosse certo que o novo emprego dará errado, e você será demitido no primeiro mês e acabará morando debaixo de uma ponte.  Já tive várias conversas assim...

Em suma, todas essas coisas desagradáveis que escrevi acima reforçam o que eu disse no meu post de 19 de abril (https://magoeconomista.blogspot.com/2019/04/as-coisas-nao-estao-faceis-algumas.html): devemos, hoje mais do que nunca, diversificar nossas fontes de renda. Isso nos dará mais tranquilidade e confiança no dia a dia, pois o medo de ser demitido e "ir morar debaixo da ponte" diminui, afinal ainda teremos outro(s) lugar(es) onde ganhar dinheiro, e com isso a pressão sentida no emprego diminui também e, acredito, paradoxalmente (?), passamos a trabalhar melhor.
Sei que nem todos têm pendor (ou vontade) para isso, mas acredito que todos deveriam, pelo menos uma vez na vida, tentar empreender, criar um negócio "do nada" e ver no que dá. Eu não sei se tenho pendor, mas tenho vontade, e um dia criarei o meu. Estou trabalhando nisso. Se der certo, no mínimo, me ajudará na diversificação das fontes de renda e pode ser que, eventualmente, me ajude a sair do emprego, e me permita apenas trabalhar.

Trabalhar não é ruim. Não imagino (e não desejo) uma vida sem trabalho, pois é através do trabalho que realmente nos desenvolvemos física, intelectual e moralmente. Uma vida de ócio seria uma vida jogada fora, uma oportunidade perdida.
Ruim é emprego, CLT, chefes, formalidades desnecessárias, dress code, reuniões, horários, metas absurdas, confraternizações forçadas após o expediente, horas extras forçadas e não pagas em dinheiro, etc.

Forte abraço!

Microeconomia - alocações eficientes e a questão do "Preço Sombra"


      Este é o tal "post mais técnico" que prometi há algumas semanas. Sei que nem todos vão se interessar, e é um assunto que os estudantes de economia vêem mais no mestrado ou doutorado, mas gosto de escrever sobre essas coisas. De vez em quando vou tentar escrever de forma resumida em meu blog minhas leituras nestes assuntos acadêmicos. Relembro a todos os meus leitores que não sou um economista formado, mas gosto de estudar sozinho a respeito . Tenho plena consciência de que várias coisas que são escritas nas áreas de economia e finanças são, pelo menos superficialmente, de pouca ou nenhuma utilidade prática no "mundo real", principalmente para nós, meros mortais. Entretanto, nem por isso é certo pensar que tais assuntos são perda de tempo. Muito pelo contrário. Não sabemos as implicações futuras de muitas das coisas que estudamos; poucos são aqueles que sequer conseguem sonhar com as tecnologias que existirão no futuro, e muitos menos fazem ideia dos conhecimentos que, hoje aparentemente inócuos, serão um dia necessários e "triviais".  Dito isto, vou conduzir os mais leigos no assunto, explicando alguns termos fundamentais para a compreensão do texto.

     "Utilidade" é um conceito criado por economistas para denominar o grau de "o quão bom" o consumo de determinado conjunto de bens é percebido pelo consumidor. Quanto mais "satisfeito" ele fica, maior é a "utilidade" desse conjunto (normalmente o conjunto de bens é denominado "Cesta", nos livros-texto de economia). Também pode ser dito "satisfação",  no lugar de "utilidade". Pode-se dizer que a "utilidade" é uma tentativa de quantificar a felicidade de um consumidor.

     "Agente" ou "agente econômico" é como os economistas chamam as pessoas e entidades que influenciam a economia: consumidores, empresas, governos, etc.

      Uma alocação eficiente no sentido de Pareto (também dita "Pareto-eficiente") é aquela em que um agente terá sua utilidade maximizada, dada a utilidade de outro agente (ou seja, é aquela situação em que não tem como a situação de A melhorar sem acabar piorando a de B, porque os recursos já estão alocados da melhor maneira possível entre os dois agentes - ou seja, a utilidade de A está em seu maior valor possível, dada a utilidade de B - presumida fixa para fins de abstração - o que significa que pressupõe-se que a quantidade de bens não irá aumentar).

      Dentro da Teoria dos Preços,  há um fenômeno chamado "Preço Sombra" (Shadow price), que influencia a formação dos preços. É uma daquelas ideias econômicas que geralmente não se encontra nos livros-texto de economia, estando mais restritas às dissertações de mestrado e teses de doutorado, além é claro dos livros dos autores realmente consagrados no assunto (aqueles que, digamos, criam novos conhecimentos, como Friedman, Walras, Sargent, etc.), e não os daqueles que "só" escrevem para a academia (que replicam e transmitem as ideias).
      Achei interessante a ideia do Preço-Sombra, e foi por isso que resolvi escrever sobre ela, de forma bem resumida. Para entender melhor, imaginem que há uma pequena fábrica de carros de luxo, que só produz poucos carros por ano, e normalmente sob encomenda. Imaginem que ela só produz 100 carros por ano, não por uma razão de exclusividade, mas sim por uma questão de limitação da produção: ele só tem capacidade para produzir até 100 unidades por ano. Quem compra esses carros exclusivos? Segundo a teoria, apenas os 100 consumidores que estivessem dispostos a oferecer os 100 maiores preços pelos carros é que os levariam: por exemplo, o cliente que mais quer o carro estaria disposto a pagar 100 mil, o segundo a pagar 99 mil e quinhentos, e assim por diante, até o último cliente, o centésimo, que estaria disposto a pagar, por exemplo, até 70 mil pelo carro. O "centésimo primeiro cliente", ou seja, o primeiro a ficar de fora da compra (chamado na teoria de "consumidor supramarginal"), estaria disposto a pagar até 69 mil por um carro daquela fábrica. O consumidor que comprou o último carro (o 100º), é chamado pela teoria de "consumidor marginal". O preço de equilíbrio do mercado será algo entre 70 mil e 69 mil. Notem que foi o consumidor supramarginal (relembrando, o 101º) quem definiu o preço mínimo a partir do qual o preço de equilíbrio do mercado será definido entre o empresário e o 100º consumidor, pois para comprar um carro (e participar deste mercado) seria necessário oferecer um preço maior do que aquele que o consumidor supramarginal está disposto a oferecer.
Para fabricar o tal 101º carro, a fábrica incorreria num custo, digamos, de 30 mil reais. O preço sombra (no caso, o preço sombra da capacidade da fábrica) é a diferença entre o valor que o consumidor supramarginal está disposto a pagar e o custo para fabricar este item a mais. No caso do exemplo, o preço sombra é 39 mil reais. Ele também representa o custo de oportunidade da empresa (o quanto ela deixou de ganhar por não ser capaz de produzir um carro a mais)
     Temos que levar em conta o seguinte: para que valha a pena produzir o 101º carro, no exemplo dado, o custo de aumentar a capacidade de produção instalada deverá ser inferior ao preço sombra (no caso, 39 mil), para que a empresa continue lucrando. Se for superior, não valerá a pena aumentar a capacidade produtiva da fábrica, a qual continuará sendo capaz de produzir apenas 100 carros.
    Que conclusões os economistas tiraram deste raciocínio?
1) O preço de equilíbrio (que é o preço de mercado) depende do consumidor supramarginal (o primeiro que não consegue consumir), pois ele definirá o piso a partir do qual o preço de equilíbrio será negociado;
2) O preço sombra é o custo de oportunidade da empresa por não ter uma capacidade produtiva maior;
3) Como é o preço que o consumidor supramarginal que determina o preço-sombra, e o preço-sombra determinará o custo máximo que o produtor arcará para expandir sua capacidade produtiva, vemos que é o preço que determina o custo da expansão, e não o contrário (ou seja, não é o custo de expansão da fábrica que determinará o preço, ao menos em teoria: o empresário tentará planejar a expansão da capacidade produtiva com base no que ele considera que seja o preço sombra).

Há várias nuances nesse assunto, e alguma álgebra em alguns pontos, mas, grosso modo, preço-sombra é isso. O assunto é árido, mas acho interessante.