sexta-feira, 19 de abril de 2019

As coisas não estão fáceis - algumas verdades que precisam ser ditas



Resolvi escrever este texto inspirado no último post do Gerson Ravv
(http://www.blockchainsupertrader.com/2019/04/a-coisa-ta-feia-em-sao-paulo-ilusao-de.html).

Quem não está vivendo numa caverna pode ver, diariamente, o aumento da pobreza no Brasil. Isso pode ser explicado, em parte, por dois dos vértices das relações trabalhistas: empresas e trabalhadores. Como eu já escrevi em posts anteriores, as relações de trabalho estão se deteriorando: do ponto de vista das empresas, parece que cada vez mais somos vistos não como "colaboradores" (detesto essa palavra... porque não chama de funcionário mesmo?), e sim apenas como "custos ambulantes". Eu leio relatos sobre trabalho na blogosfera das finanças e também escuto os de amigos e conhecidos, e vejo que muitas vezes parece que o empregador pensa "que saco, eu preciso pagar esse cara para fazer as tarefas X, Y e Z..." e considera que está te fazendo um favor em te empregar e te pagar. Participação nos lucros? Em muitas empresas é só para os executivos ou o cargo equivalente de alto escalão, isso se a empresa for média ou grande. Horas extras em dinheiro? Isso está cada vez mais no passado. Hoje em dia tem empresa ("empresa nutella") que prefere te "pagar" com frescuras do tipo "gaveta de kit-kat", "café ilimitado", "sexta-feira de video-game" e outras firulas: https://medium.com/o-novo-mercado/o-que-diabos-aconteceu-com-gera%C3%A7%C3%A3o-y-73cd16ccc5c9
Como dizia o Pobretão, parte desse comportamento dos empresários brasileiros pode explicada por nossa cultura "escravagista". Acho que essa cultura é sentida no fato de que ninguém confia em ninguém, e sente a necessidade de estar sempre cobrando e vigiando, além do sentimento inato de que "o lucro é maior se eu estalar o chicote". Desta forma, aqui as empresas valorizam demais as horas gastas no trabalho, e valorizam pouco a produção efetiva, os processos, a eficiência, o planejamento, etc.. Mas pelo visto, isso não é só aqui: Nassim Taleb, em seu livro "Arriscando a própria pele - Assimetrias ocultas no cotidiano", comenta sobre a escravidão moderna (no capítulo 3, entitulado "Como ser dono de outra pessoa legalmente"): na opinião dele, até mesmo os altos executivos, que ganham carro e casa da empresa, têm horário "flexível" (uma tremenda mentira), recebem bônus, etc. são tão ou mais escravos do que o mais júnior dos analistas do escritório onde trabalham. Pode-se concluir da leitura dessa parte do livro que não pagar horas extras ou outros benefícios em dinheiro é uma estratégia antiga e "manjada": torna o empregado dependente da empresa, através do status proporcionado pelo cargo, além dos "benefícios". Isso é uma forma de controle, para garantir que o funcionário estará lá, todo dia, para cumprir suas tarefas. Mesmo em empresas em que os bônus dos executivos são milionários, às vezes acontece de tais recompensas serem pagas de forma parcelada, e condicionadas ao cumprimento de diversas cláusulas contratuais, além do fato de a cultura organizacional de várias empresas grandes ser tóxica e incentivar os funcionários a ostentarem padrões de vida que são insustentáveis no longo prazo... é o velho truque da "cenoura na frente do burro", porque (creio), a maioria das pessoas receberia esse primeiro bônus milionário e se aposentaria, ou construiria seu próprio negócio a partir dele (eu, pelo menos, se ganhasse um bônus desse nível, me aposentaria, e arrumaria um trabalho mais light ou então um trabalho mais humanitário), levando consigo seus conhecimentos e podendo um dia se tornar um concorrente, e qualquer empresário sabe disso. Portanto, esse truque é um mecanismo "natural" de sobrevivência das empresas. Triste, porém real.

O outro "vértice" que ajuda a explicar essa deterioração está no lado dos trabalhadores, e aí a coisa também é ruim: observo que as pessoas chegam cada vez mais despreparadas no mercado. O pessoal mais jovem (18 a 22 anos) onde trabalho e onde já trabalhei parece que não sabe ler e nem escrever. Frequentemente tenho que corrigir erros terríveis de português antes de mandar um relatório feito por um subordinado para alguém superior a mim, e não são apenas erros de ortografia: vejo vários erros de coerência, de forma que tenho que perder tempo chamando o autor do relatório para conversar e entender  o que ele quis dizer. Há também aquelas dificuldades que muitos têm com a matemática mais básica, entre outras coisas. Acho que isso é generalizado no Brasil. Com os conhecimentos tão defasados e carência nas habilidades mentais mais básicas, não se pode esperar que a maioria chegue muito longe em empresas que ainda tenham plano de carreira (basicamente só as empresas médias, grandes e multinacionais... empresas pequenas, em geral, ou você é "peão" ou é "patrão", não tem muita mobilidade). Vemos aí a manifestação de um dos problemas mais sérios (se não o mais sério) do Brasil: a cultura da ignorância. Aliás, "cultura" é um eufemismo neste caso. Aqui observamos um verdadeiro culto à ignorância. A maioria das pessoas simplesmente parece que não quer melhorar, não quer evoluir, aprender coisas novas, adquirir novas habilidades, etc. A maioria se contenta com a rotina da corrida dos ratos: acordar-trabalhar-vegetar em frente à TV/smartphone/computador - dormir - acordar - trabalhar - etc., em parte por preguiça mental e em parte pelo condicionamento imposto pela cultura brasileira. Este é outro ponto ruim de nossa mentalidade: a cultura da miséria. Tem gente que bate no peito com orgulho, celebrando a própria pobreza, e despreza quem tenha melhorado de vida (na cabeça dessas pessoas, se alguém melhora suas condições foi por "sorte", ou por que, no fundo, "sempre teve vida fácil"; parece que, na cabeça dessas pessoas, ninguém melhora por trabalho e esforço próprios), e se recusa (ainda que num nível inconsciente) a melhorar a própria vida. A mentalidade do brasileiro mediano se reflete também em nossos empresários, que vieram da mesma cultura e acabam agindo de maneira parecida, respeitadas as devidas proporções.
     
  Óbvio que quem ganha muito pouco realmente não tem como poupar, pois vive com o dinheiro contadinho e as empresas praticamente não pagam mais hora extra (se pagassem, essa seria uma oportunidade que estas pessoas teriam para poupar), mas acredito que quem está nesta situação, se não puder melhorar financeiramente no curto prazo, têm que tentar melhorar em outras áreas da vida, para depois conseguir evoluir financeiramente. Por exemplo, o indivíduo é um "peão" de fábrica, ganha 1 salário mínimo + benefícios (ou nem isso, às vezes é só o salário mesmo). Vamos supor que ele "não tenha cabeça para estudar", ou tenha dificuldades de aprendizado, etc. Gasta o salário todo pagando as contas e com comida e termina cada mês no zero a zero, isso se nenhuma emergência acontecer. O que ele pode fazer? Além de se esforçar para diminuir seus custos fixos (geralmente o principal é o aluguel, mas também tem planos de celular, TV, internet, etc.), ele tem que encontrar uma área em que possa desenvolver suas habilidades (talvez o próprio trabalho dele na fábrica contribua para isso) e usá-las para ganhar um dinheiro a mais, nos horários livres. Por exemplo, ele pode virar um mecânico de carros, um eletricista, um encanador, etc., atendendo clientes em domicílio, ou pode fazer bicos em outros lugares (um bico comum na minha cidade é o de garçom). "Ah, mas aí ele não vai ter tempo para descansar", alguém poderia dizer, mas isso é só meia verdade. Ele ainda vai descansar. Menos, mas ainda vai, e ninguém disse que seria fácil. Se você não nasceu numa família rica, ou ganhou na mega-sena, nenhum dinheiro vai vir fácil, e hoje as pessoas em geral têm dificuldades de aceitar isso. Na época de nossos avós (anos 20, 30), e no tempo antes dela, todo mundo tinha essa noção "no sangue", mas no meio do caminho das gerações alguma coisa deu errado e hoje muitas pessoas não aceitam mais essa realidade. Continuando, o "peão" do meu exemplo, quando começar a ganhar dinheiro com seus trabalhos extras, deverá guardar esse dinheiro extra, o máximo que puder, para se proteger das emergências da vida. De que adianta ficar reclamando que ganha pouco e não consegue juntar, se quando a realidade chegar ela vai vir de qualquer jeito, tenha você juntado dinheiro ou não? Eu acredito que Deus ajuda, que Deus provê tudo o que necessitamos, mas temos que fazer nossa parte, e ajudar Deus a nos ajudar. Desta forma, aos pouquinhos, de cem em cem reais poupados, a situação dele vai ficando cada vez menos pior. Ele pode se tornar tão bom nos trabalhos extras, por exemplo, que passe a ganhar mais neles do que no emprego normal. Pode até cogitar, com o tempo, a se dedicar somente aos trabalhos extras, que passarão a ser o principal, ou pode conseguir uma qualificação que lhe permita trabalhar num emprego melhor, ou expanda seus horizontes e lhe faça enxergar oportunidades encobertas por sua ignorância... A lição que deve ser aprendida aqui é a seguinte: assim como nos investimentos, devemos diversificar também nas fontes de renda, para nunca ficarmos "na mão" do chefe, da empresa ou do governo. E devemos guardar sempre o que sobrar, por menor que seja, nem que seja 20 reais. Para quem não ganha muito e vive com o dinheiro contado, 20 reais fazem a diferença. Nosso amigo Mestre dos Centavos sabe disso, conforme podemos ouvir em seu podcast (http://mestredoscentavos.blogspot.com/2019/04/podcast-com-o-mestre-dos-centavos.html)

A realidade é dura, meus amigos. Não sei se as coisas já estiveram fáceis algum dia, mas certamente já estiveram muito menos piores do que hoje. As dificuldades atuais sempre existiram, mas estão agravadas por vários dos fatores que expus aqui (creio que os principais sejam os culturais - nos últimos 40 anos (pelo menos) o Brasil deteriorou principalmente neste campo: nossa cultura está cada vez mais destruidora e imoral, o que nos enfraquece como civilização), além da própria situação ruim da economia como um todo, é claro. Se a economia vai mal, então todos (ou quase todos) vão estar, no mínimo, "menos bem" do que antes, pois todas as variáveis micro e macroeconômicas se influenciam. Então o que podemos fazer se a economia vai mal? Devemos fazer a mesma coisa que fazemos quando a economia "vai bem": trabalhar, estudar, economizar, aportar, cuidar de nossa família, de nossa saúde, de nosso desenvolvimento pessoal, não perder tempo com bobagens. Se nossos empregos estiverem sendo prejudicados, já devemos ter nossas reservas e outras fontes de renda "na manga", prontas para nos cobrir nas tempestades da vida.


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