terça-feira, 28 de julho de 2020

Minha opinião sobre trades



Trade é um daqueles assuntos sazonais na mídia, e geralmente vem à tona quando a bolsa está registrando alta seguida de alta. Digo até que é possível medir a "temperatura" da bolsa sem acompanhar as notícias, só olhando para os anúncios patrocinados de cursos de trade e consultorias que surgem no YouTube, mesmo em vídeos que não tem nada a ver com finanças. 

Eu acho trade uma coisa muito perigosa, e vou explicar o porquê.



Vou ilustrar com um exemplo hipotético:




Vamos supor que com o que você ganha dê para separar 500 reais por mês para trades.




Agora vamos supor que você tenha dado muita sorte e conseguido um lucro de 40% líquidos em um dia e seus 500 viraram 700. Para ganhar esses 200 reais você provavelmente  teve que ficar o dia inteiro acompanhando a cotação, olhando pro monitor, pro celular, atualizando seu sistema, etc. observando a cotação subir e descer, observando seu dinheiro crescer e diminuir, com todo o estresse que isso envolve e provavelmente negligenciando qualquer outra coisa que estivesse ou que deveria estar fazendo. A meu ver, não vale à pena esse esforço para ganhar duzentos reais. E esse retorno de 40% nem tem como ser consistente. 




Mesmo que você tivesse um lucro de 100% não valeria a pena, porque você ganharia 500 reais no meu exemplo hipotético. Seus 500 viraram 1.000 em um dia, mas isso não é grande coisa: 1000 reais não mudam a vida de ninguém e, afinal,  quem consegue fazer 100% de lucro consistentemente? Ninguém. Portanto, o primeiro ponto negativo do trade, na minha opinião, é esse: não é possível você ganhar aquela bolada, aquela famosa bolada que mudaria a sua vida, fazendo trade apenas com valores que você está disposto a perder e que não te prejudicariam em nada no caso de uma perda total. Ninguém vai chegar a lugar nenhum "operando o pozinho". Só vai ter dor de cabeça e é praticamente dar dinheiro de graça para a corretora, pois a corretagem você  sempre paga, independente de ter lucro ou não.  É que nem nos cassinos: a casa sempre vence.

Mas atenção! Isso não significa que operar grandes quantias valha à pena, conforme veremos a seguir.



Outro exemplo: com muito esforço e trabalho, um assalariado brasileiro médio junta seus 100 mil reais (por exemplo, 10 anos de economias) e imprudentemente resolve que com esse dinheiro dá para "viver de bolsa" fazendo trades. Se ele desse muita, mas muita sorte mesmo e ganhasse 100% líquidos em suas operações (extremamente difícil de acontecer - além da probabilidade do evento em si ser bastante baixa, ainda tem todos os custos com taxas, corretagens e impostos), os 100K virariam 200 mil, o que para ele é muito dinheiro, mas 200 mil realisticamente mudariam sua vida? No máximo ele quitaria seu financiamento imobiliário ou abriria um negócio, o que é bom, mas fora isso, certamente o nível de estresse envolvido em fazer trades com 100 mil reais é muitíssimo maior do que os do exemplo de 500 reais e isso a meu ver não é compensado pelos eventuais ganhos.  O desgaste psicológico seria absurdo, e a chance de dar tudo errado continua sendo altíssima. Em suma, seria a meu ver uma Vitória de Pirro, muito esforço para pouco resultado, e ele teria muito mais a perder do que a ganhar. Uma queda de 20% na bolsa representaria nesse exemplo 2 anos de trabalho perdidos em questão de dias, minutos talvez, e o impacto disso no psicológico do trabalhador poderia deixá-lo arrasado, prejudicando seu desempenho no trabalho e seu relacionamento com sua família. Vale à pena? Na minha opinião a vasta maioria das pessoas tem muito mais a perder do que a ganhar fazendo trades.

Assim, o segundo ponto negativo do trade é esse: você tem muito mais a perder do que a ganhar se operar com um montante que seja significativo para a sua renda e para o seu padrão de vida. Se perder tudo ou se perder muito, sua família certamente sofrerá.  Mesmo que perca uma fração do valor, ainda assim ela pode representar um bom tempo de trabalho que foi desperdiçado, jogado no lixo, servindo para alimentar banqueiros, corretoras e os tubarões do mercado. 

E ainda tem como fazer coisas piores. O fundo do poço dos trades é mais embaixo.



Se a ganância falar mais alto e o sujeito resolver operar alavancado (fazer trade com dinheiro emprestado) ou lançar opções descobertas (vender opções de ações que ele não tem em sua carteira) na esperança de multiplicar seus ganhos, pior ainda. Além de perder todo seu dinheiro, pode terminar com uma dívida, às  vezes impagável, e isso destrói famílias e vidas.

Há muitos casos de vidas arruinadas, famílias destruídas, suicídios, por causa de trade, principalmente entre aqueles que fazem operações alavancadas. O sujeito pega 50 mil emprestados no banco e começa a fazer trades. A bolsa sofre uma queda e os 50 mil se transformam em 30 mil. Resultado: o trader vai ter que se virar para pagar os 20 mil que foram perdidos para o mercado. Já li casos bem piores, de pessoas que terminaram devendo na casa das centenas de milhares de reais, procurem por aí e vão achar vários depoimentos tristes. 
O terceiro ponto contra o trade é esse: operando alavancado, você potencializa o seu prejuízo e pode acabar arruinando sua vida e afetando enormemente sua família. Algumas dívidas causadas por operações mal sucedidas podem ser impagáveis, e a tendência é que o trader tente paga-las através de mais trades, se afundando ainda mais no buraco que ele mesmo cavou. Muitos não aprendem a lição.

Uma outra moda que vem e vai: operar penny stocks (ações que custam centavos). Já vi venderem muito a promessa de que uma pessoa comum poderia fazer fortunas especulando com ações que custam na casa dos 10 centavos - "se subir somente 1 centavo a cotação, você já ganhou 10%!!" - mas se esquecem de dois pontos importantes: primeiro, o inverso também é verdadeiro: basta cair 1 centavo para você perder 10% do seu dinheiro. Segundo, assim que subir o tal 1 centavo, a sua ordem de venda entrará numa fila gigantesca composta pelas ordens dos outros trouxas, e provavelmente a sua ordem nem será processada, porque os malandrões do mercado (que incentivaram a especulação com a penny stock justamente para isso) já terão se livrado de suas posições aos baldes, derrubando novamente a cotação.



Infelizmente há um incentivo muito grande na indústria financeira  para que pessoas comuns entrem na vida de trader,  e isso tem muito apelo principalmente para o público mais jovem, geralmente homens na faixa dos 20 e poucos anos, no começo de suas vidas profissionais, que é justamente aquela fase em que estamos empolgados com nosso potencial, em que enxergamos o mundo ainda com uma visão meio adolescente das coisas e em nossa cabeça sempre nos vemos como "acima da média". Esse apelo vem ainda mais forte para os que se formam na área de ciências exatas, principalmente o pessoal de engenharia e ciências atuariais, que têm cargas mais intensas de matemática na faculdade e por isso acabam tendo uma ilusão de que, por terem estudado mais matemática do que a maioria e terem aprendido a mexer com softwares como Matlab, Stata, R, Gretl, eViews, etc. estariam mais aptos do que o restante da manada a "superar o mercado". Tudo ilusão.




A real é que o sistema incentiva o day trade porque ele gera muita grana em corretagem, taxas, emolumentos,etc. para as corretoras e para os bancos (também produz impostos para o governo, então ele também se beneficia disso, de certa forma). A mídia especializada em finanças,  os analistas, as corretoras, etc. demonizam a caderneta de poupança porque é um dinheiro "parado" que não lhes dá tanto lucro assim (eles já lucram (ou deveriam lucrar) emprestando o dinheiro depositado em contas correntes e na poupança de clientes para outros clientes, mas gostam mais de corretagens, taxas de administração de fundos de investimento, taxas de performance, etc.)  e vendem a ideia de que é mal negócio ter casa própria  porque para eles não é bom que várias pessoas deixem 300, 400 mil reais imobilizados: para eles é muito melhor esse dinheiro girando e gerando muitas taxas, corretagens, etc. O sistema quer que vocês alimentem o sistema, e toda uma indústria foi montada para isso: tirar dinheiro do bolso de trouxa que acha que é esperto.


Para alguns de vocês pode parecer até absurdo que haja pessoas que pensem e ajam assim. Porém, tais pessoas podem estar mais próximas do que vocês imaginam. Tem gente que é facilmente enganada pela mídia, pelos analistas, vendedores de cursos, etc. Acreditem se quiserem, já tive um colega de trabalho que achava que poderia "viver de bolsa" quando juntasse -pasmem- 10 (dez!) mil reais. Já tive colegas de trabalho que (dizem) perderam valores equivalentes a carros populares fazendo trade de PETR4... 

Bancos e corretoras são instituições úteis e precisam ter lucro e prosperar? Sim, são atividades empresariais legítimas, mas chega de dar dinheiro fácil para essas empresas. Elas que se virem a para nos vender produtos e serviços de qualidade para realmente merecerem nosso dinheiro. Cabe a nós nos educarmos e aprendermos a lidar melhor com nosso dinheiro, de modo que não sejamos vítimas fáceis.

Forte abraço, fiquem com Deus!






segunda-feira, 20 de julho de 2020

A busca pelo milhão deveria ser uma busca por valor e não por dinheiro

Se vocês refletirem um pouco, a inflação já corroeu tanto o poder aquisitivo do Real que o cobiçado "um milhão de reais", um dos santos graais da blogosfera, já não é mais o que era. É bastante difícil juntar um milhão de reais para quem é assalariado, e embora esta quantia ainda dê uma grande melhora na vida pessoal em termos de tranquilidade e segurança relativas ao trabalho, ela já há um bom tempo não é capaz de trazer a IF, no máximo uma TF (tranquilidade financeira), mas ainda assim é algo arriscado. 
Nos tempos de taxa Selic a mais de 14%, havia quem pensasse ser capaz de viver sem precisar trabalhar tendo um milhão investidos em renda fixa, mas mesmo naquela época (2016) isso ainda era muito arriscado, pois a inflação alta camuflava o rendimento real, que era bastante abaixo dos 14% nominais, de modo que sacar os rendimentos deste milhão aplicado em uma renda fixa, por exemplo, só faria corroer mais depressa o valor do principal. Sacar menos do que os juros auferidos era obviamente uma opção melhor, mas ainda arriscada para quem almejasse parar de trabalhar. Com o tempo, a inflação poderia corroer o valor do principal, e caso vivamos um caso extremo como o da Alemanha do pós-guerra, este investidor que até então havia "atingido" a IF se tornaria um "mendigo milionário".
Não é exagero!

notas e moedas: Pick#110 - 500 Milhões de Marcos, 1-9-1923
Nota de 500 milhões de marcos alemães, de 1923, provando que todo mundo era multimilionário na Alemanha pós-Grande Guerra!! É um pouco difícil de ler, mas realmente está escrito Fünfhundert millionen Mark


Infelizmente, a inflação é um problema intrínseco do atual sistema monetário mundial - o qual se baseia em moedas fiduciárias (sem lastro) e no sistema de reservas fracionárias (bancos não precisam ter em caixa valores que garantam 100% dos depósitos, ou seja, bancos criam moeda literalmente do nada) e ao menos no curto prazo isso parece que não vai mudar. Nem mesmo as criptomoedas são ainda uma alternativa viável - elas ainda estão longe de serem adotadas pelo "tiozinho da padaria" e pela "dona marocas da escolinha", e somente quando isso acontecer é que elas serão realmente moedas, pois serão um meio de troca amplamente aceito (atualmente as criptos cumprem mal e porcamente apenas as funções de unidade de conta e reserva de valor, mas devido às grandes oscilações diárias e às dificuldades operacionais de usá-las no dia a dia, tais funções não são eficientemente cumpridas, na minha opinião).

Vejam em números o massacre do Real pela inflação: conforme a calculadora do cidadão, disponível no site do Banco Central, 1 milhão de reais do início do Plano Real (1994) equivalem a mais de 6 milhões de reais atualmente:



O Real perdeu muito valor desde seu início. Temos que multiplicar o milhão de reais por 6 só para empatar com seu poder de compra original. Até mesmo olhando para o passado recente a perda é chocante. Vejam quanto precisamos ter hoje em dia para empatar o poder aquisitivo de 1 milhão de reais de 2016, época da SELIC a 14,25%, na qual havia quem acreditasse poder viver com a renda desse milhão:



Precisaríamos ter quase 200 mil reais a mais só para manter o poder de compra, quase um quinto do valor. Quem tinha 1 milhão e aplicou na renda fixa e passou a viver dos juros provavelmente perdeu dinheiro, no sentido de perder poder aquisitivo.

Será que algum dia seremos capazes de desfazer este massacre financeiro? Será que algum dia o Real prosperará e se tornará uma moeda forte? 
Só o tempo dirá. 
Enquanto isso, os números incríveis de nossa inflação mostram que ao contrário de outras épocas, em que o dinheiro tinha lastro, ou seja, tinha valor intrínseco (moedas de ouro e prata, certificados de depósito de ouro, etc.) não é tão bom negócio juntar dinheiro. Óbvio que precisamos de dinheiro no dia a dia para trocarmos por bens e serviços,  e conforme já expliquei no post anterior, é inegável a importância de se ter uma reserva de emergência de pronto uso, então algum dinheiro é bom sempre termos. Esses tempos histéricos da pandemia, repletos de desmandos e arbitrariedades estatais e de empresas mancomunadas com o Estado, reafirmaram a importância da reserva de emergência.


Certificado de Ouro - Está escrito: 100 dólares EM MOEDAS DE OURO pagáveis ao portador sob demanda

Porém, o ideal é que, após constituída a reserva de emergência, comecemos a diversificar nosso patrimônio de modo que ele tenha mais valor do que dinheiro, porque o que tem valor é sempre ou quase sempre protegido contra a inflação. 

Onde encontraremos valor? Onde compramos valor? Resposta: Comprando ações de boas empresas (fundamentos sólidos, vários anos seguidos de lucros, com dívidas equilibradas ou sem dívidas, com boa participação no mercado, etc.), comprando cotas de bons fundos imobiliários (bem geridos, com imóveis bem localizados, bons imóveis, de preferência com mais de um imóvel, etc.), comprando bons imóveis (bem localizados, sem problemas judiciais) e comprando bens que tenham valor (metais preciosos, jóias, moedas, obras de arte, terrenos bem localizados e férteis, etc). 
Porém, há uma outra diversificação ainda mais importante,  e que deve ser feita todo dia, em qualquer época: a diversificação de conhecimentos e habilidades, ou seja, o investimento em você mesmo. Aumente o seu valor. Estude além do que é necessário para desempenhar sua profissão, estude para melhorar seu desempenho nela e tornar-se uma referência, pelo menos entre seus colegas. Estude e pratique outras atividades fora de sua profissão para ser versátil, primeiramente como hobbies - e quem sabe elas não podem acabar virando outras fontes de renda? Quem sabe elas não possam um dia se tornar sua principal fonte de renda? Quem sabe elas não te salvam de uma enrascada, como ser demitido? 
Além disso, nunca deixe de ler ou estudar certos assuntos só porque supostamente "não há mercado" para tais conhecimentos - aumente sua cultura, leia os clássicos da literatura, estude outros idiomas além do inglês, produza algum tipo de arte, etc. Tudo isso contribuirá, no mínimo, para aumentar sua confiança em si mesmo e para expandir sua criatividade, e estas são coisas das quais você nunca se arrependerá, e também aumentarão seu valor como pessoa. Hoje em dia é possível encontrar tantos bons livros de graça ou quase de graça, assim como inúmeros tutoriais de uma infinidade de assuntos no YouTube, em fóruns especializados, cursos on line de praticamente qualquer assunto, e por aí vai. Nunca deixe de investir em você mesmo. Não viva para juntar dinheiro, viva para melhorar a si mesmo e para melhorar a vida dos que estão à sua volta, fazendo sempre o bem.

Forte abraço!  Fiquem com Deus!


domingo, 5 de julho de 2020

Sobre o padrão de vida e os "hiatos" da economia

O padrão de vida que uma pessoa pode ter, em termos materiais, é  determinado por sua renda. O erro que muitos cometem no mundo todo é querer gastar quase tudo, ou até mais, do que ganham. 

A lição óbvia (e imortal) das finanças pessoais: nunca gaste mais do que você ganha. Ela é óbvia e tão velha quanto o dinheiro, mas vemos todos os dias inúmeras pessoas que parecem ser incapazes de entender isso. Algumas por burrice, hedonismo, etc. e outras, infelizmente, por serem extremamente pobres e seus ganhos não cobrirem sequer os custos mínimos de vida. 

Para aqueles que podem, entretanto, é muito importante aplicar a velha lição e ajustar seu padrão de vida a ela.

Por exemplo, se você ganha um salário líquido (é o líquido que importa, porque é com ele que você se acostuma a viver no dia a dia) de R$ 4.000,00, você não pode ter um "padrão de vida de R$ 4.000,00". Você precisa ter um padrão de vida de R$ 3.000,00 ou menos. Eu diria que de R$3.500,00 no máximo, porque o aporte precisa fazer parte do orçamento doméstico. 

No exemplo acima, ganhando 4K e guardando 1K, a cada 4 meses você guardaria 1 salário, ou seja, em um ano você  conseguiu guardar 3 salários, então mantendo este ritmo por 4 anos, você terá 1 ano de salário economizado (fora os juros), caso não tenha precisado sacar nada para cobrir algum problema, o que é uma reserva de emergência interessante, pois caso perca o emprego você aguentaria ficar 1 ano sem receber enquanto se requalifica e procura outro trabalho, e no meio tempo ainda vai poder fazer bicos para não consumir tanto da sua reserva (ifood, uber, qualquer bico honesto).  

Na verdade, se considerarmos um trabalhador em regime CLT, que tem o 13º salário, você conseguiria montar essa reserva em 3 anos, caso conseguisse economizar 100% do 13º. Vejam esta simples demonstração:

1º ano: 1K/mês *12 meses + 4K (do 13º) = 16K (4 salários)
2º ano: 1K/mês *12 meses + 4K (do 13º) = 32K (8 salários)
3º ano: 1K/mês *12 meses + 4K (do 13º) = 48K (12 salários)

Por isso eu recomendo a todos aqueles que puderem: guardem 100% do 13º salário (ou usem-no para pagar dívidas).

O exemplo do salário líquido de R$4.000,00 foi apenas para facilitar a conta. A matemática é o que importa: poupando 25% do salário mensal e 100% do 13º, consegue-se fazer em 3 anos uma reserva de emergência equivalente a 1 ano de salário, o que é muito bom para começar, pois dá uma relativa segurança ao trabalhador, diminui um pouco o medo de ser demitido e essa maior confiança pode resultar em um rendimento melhor no trabalho. Se o salário líquido é de R$2.000,00, então o padrão de vida desta pessoa deveria ser de R$1.500,00 para que ela possa guardar R$500,00 por mês (25%) e assim sua reserva no final de 3 anos seria de R$ 24K, o que equivale a 1 ano de salário.

E se a pessoa guardasse um terço do salário? É uma fração "cabalística" que eu já vi muito ser recomendada por aí. Vejamos ela aplicada no exemplo dos R$4K:

1º ano: R$ 1.333,33 *12 + R$4K (do 13º) = R$ 20K (5 salários)
2º ano: 40K (10 salários)
3º ano: R$ 60K (15 salários)

Ao final de 3 anos a pessoa que economizasse 1 terço do salário teria 15 salários guardados, e teria atingido a meta de 1 ano de salários na metade do segundo ano de economia.

Na minha opinião pessoal, essa reserva de emergência deveria ficar aplicada no ativo de renda fixa mais líquido possível, pois ela não tem o objetivo de render e dar ganhos de capital, mas de suprir emergências, salvar o trabalhador de apertos que surgem no cotidiano, como por exemplo uma consulta médica cara, a compra de um remédio caro, uma multa de trânsito, uma cota extra inesperada do condomínio, uma obra necessária para se fazer em casa, etc. que são gastos que fogem de nosso controle (exceto a multa, que temos algum grau de controle). Por isso, ao contrário do que "gurus" de finanças e analistas "especialistas" falam, eu recomendaria que pelo menos uma parte deste valor ficasse na poupança, e esta deve ser uma parte que a pessoa se sinta confortável e segura (por exemplo, 1 ou 2 salários líquidos, de modo que haja 1 ou 2 meses de "sobrevida" para pronto uso), e o restante aplicado em alguma renda fixa que possa ser sacada rapidamente em caso de emergências realmente sérias ou em caso de desemprego. A importância de algum pequeno valor ser deixado na poupança é a extrema liquidez da mesma: o valor pode ser transferido para a conta-corrente aos sábados, domingos e feriados, inclusive de madrugada, sem depender de intermediários, horários bancários, etc. o que pode te salvar de apertos.

Porém esse raciocínio não é possível de ser aplicado para muitas pessoas. Há uma certa faixa salarial na qual não é possível ter custos de vida que permitam poupar 25% ou mais do salário, talvez nem 10% (outra porcentagem "cabalística"), dependendo do caso.  Não sei onde exatamente essa fronteira se encontra, pois ela depende do custo de vida em cada cidade (e ele pode ser muito diferente de cidade para cidade), mas acho seguro dizer que quem ganha 1 salário mínimo não é capaz de economizar nada caso tenha como renda apenas o próprio salário. Isto é o que eu chamo de um "hiato" na economia: um abismo que separa diferentes realidades econômicas, difícil de ser atravessado. Neste caso, o hiato é a realidade das pessoas que vivem com salário mínimo: seus rendimentos são incapazes de cobrir totalmente os custos mínimos de vida (moradia, luz, água, gás, alimentação, internet e saúde) e  tais pessoas provavelmente não conseguem trocar de emprego porque seus rendimentos também não lhes permitem investir em qualificação. 
Na minha opinião, ganhar 1 salário mínimo é, grosso modo, uma forma de escravidão moderna, e cabe a cada um que se encontra nesta situação "comprar sua liberdade" dando um jeito de aumentar sua renda. Não adianta nada pedir ao governo que aumente o salário mínimo com uma canetada: ao fazer isso, os custos de todas as empresas subirão simultaneamente, provocando 2 efeitos: demissões e aumentos de preços de produtos (não se iludam, o custo sempre é repassado ao consumidor), o que anula automaticamente qualquer "ganho" obtido com o aumento do salário mínimo. Na minha humilde opinião, o salário mínimo não deveria nem existir, porque ele destrói empregos.

Um salário mínimo, dependendo de onde a pessoa mora, não é capaz nem de pagar o aluguel do apartamento mais humilde, então não é surpreendente vermos em grandes cidades (Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília são as que tem em geral os aluguéis mais caros) pessoas que, mesmo com emprego, literalmente moram na rua durante a semana e vão para suas residências (caso as tenham) nos fins de semana, às vezes em uma cidade menor vizinha, por não serem capazes de pagar o aluguel na mesma cidade onde trabalham e/ou não serem capazes de cobrir os gastos com transporte que incorreriam se fizessem o trajeto casa-trabalho-casa todos os dias. Qualquer evento que fuja da normalidade é devastador para o orçamento de uma pessoa que viva assim, forçando-as a se endividarem e gerando uma bola de neve que culminará em sua miséria.

A dura realidade é: se você ganha salário mínimo, não adianta investir em nada que não seja a sua própria qualificação. E se você mora sozinho, sem ninguém para dividir as despesas, pode ser que nem isso seja possível. Quem ganha salário mínimo, caso seja possível, deveria continuar morando com os pais, e investir o máximo possível de sua renda em sua formação, e estar disposto a aguentar uma jornada dupla, trabalhando durante o dia e estudando à noite, por algum tempo - de dois a cinco anos (a duração de um curso técnico ou de uma faculdade) e fazendo bicos sempre que puder, para complementar a renda. Caso não seja possível morar com os pais, deveria se juntar com outra pessoa que também tenha alguma renda (nem que seja de 1 salário mínimo) para dividir os custos de habitação e focar na formação pessoal, do mesmo jeito. 

Outro "hiato" na economia: ainda é bastante difícil juntar R$ 100.000,00 (uma das primeiras milestones da finansfera), porém esta não é mais, há muito tempo, uma quantia que realmente mude a vida da pessoa, e geralmente servirá no máximo para comprar um imóvel (provavelmente só para dar entrada na compra) - eu sei que para quem ganha 1 salário mínimo 100 mil reais é uma quantia que "muda a vida" da pessoa, mas quem realmente vive com salário mínimo simplesmente não consegue juntar 100 mil reais só com seu trabalho. Só se morasse com os pais e fosse totalmente bancado por eles, mas mesmo assim teria que economizar 100% do salário e demoraria por volta de 8 anos, a não ser que desse muita, mas muita sorte na renda variável, o que é bastante improvável. Quem conseguiria viver assim, sem gastar nada durante quase uma década? Será que os pais aceitariam isso? Será que os pais teriam condições para isso? 

Para os poucos brasileiros que são capazes de juntar R$100K através de trabalho honesto, 100 mil reais é "pouco" dinheiro, e ao mesmo tempo não é: servem para dar segurança, caso não sejam usados para adquirir imóvel (e dependendo da localização serviriam somente como entrada, e talvez nem isso) e, conforme o post anterior, não garantiriam nem 1 salário mínimo de proventos de FII, embora rendessem uma boa renda passiva (provavelmente algo entre 500 e 700 reais). Ainda assim, repito, juntar R$ 100K é um hiato - um abismo difícil de ser atravessado.

Para os poucos capazes de juntar  R$100K  com seu trabalho (e muitos da blogosfera das finanças são capazes), eu concito: façam caridade. Para um porteiro, uma diarista, um vendedor de doce na rua, etc. R$ 50 a mais no orçamento fazem muita diferença, e para vocês não. Ajudem estas pessoas. Comprem doces do homem que fica o dia inteiro na rua com seu pote de paçocas, se puderem comprem um estoque novo para ele poder vender, vocês estarão dando dignidade para ele, que é mais importante que dinheiro. Deem R$20, R$ 30 a mais para a diarista que faz faxina em suas residências para ajudá-la a pagar a passagem e não ter que consumir do valor ganho com a faxina. Não hesitem em contribuir para a caixinha de Natal do porteiro do prédio onde vocês moram, sejam generosos. Ajudem seus parentes que estão em dificuldades, ainda mais hoje em dia por causa da pandemia. Às vezes é porque faltam R$100,00 para inteirar o aluguel que uma pessoa é despejada e passa a viver na rua, e daí começa uma verdadeira avalanche que destrói sua vida. Ajudem os pequenos comerciantes, ajudem os pequenos negócios, para protegerem os empregos que eles geram. Façam caridade, da maneira como puderem, mas façam caridade. É dever de todos perante o Criador.

Forte Abraço! Fiquem com Deus!