segunda-feira, 2 de março de 2020

Considerações sobre ficar depois do horário e as formas de remuneração

Escrevo este post reafirmando minha opinião que escrevi neste aqui, publicado em maio do ano passado. 

Para começar, aqui vai o meu top 5 das coisas que considero ruins num emprego, e que são a realidade de muitas empresas:

5- Dress code (eu queria muito poder ir trabalhar mais à vontade, de bermuda e camiseta, usar chinelo nos dias quentes, ou até mesmo poder trabalhar de gola polo, calça "semi-social" e sapatênis... acho que produziria mais)

4- Reuniões (gastam tempo que poderia ser melhor aproveitado adiantando o trabalho, não resolvem as coisas que dizem que vão resolver, geralmente não culminam em tomadas de decisões)

3- Happy hours forçados, nos quais você fica "mal visto" se não participar (você é automaticamente taxado de antissocial, chato, quadrado, etc.)

2- Grupo de whatsapp do trabalho perturbando até de madrugada, e quaisquer cobranças relativas ao que foi escrito no whatsapp

1- Não ter hora para sair (se pagar hora extra, tudo bem, mas raramente é o caso. Para mim, a pior coisa é ficar depois da hora quando não é necessário)

Conforme eu disse antes: não existem trabalhos ruins, pois eles nos ajudam a crescer mental e socialmente e até mesmo fisicamente, conforme o caso.  Uma vida de ócio é uma vida desperdiçada.

O ruim é ser obrigado a trabalhar o "emprego", e por emprego eu quero dizer as relações trabalhistas entre empregador e empregado, relações estas que são, a meu ver, azedadas por conta da mera existência da CLT. Como a empresa é obrigada por lei a bancar muitas coisas para o empregado (férias, repouso remunerado, licença gravidez, licença paternidade, etc.), então ela tenta compensar isso contratando menos funcionários do que o ideal e também artificialmente diminuindo nosso salário por hora, nos obrigando a permanecer no trabalho além do horário estabelecido em contrato,  mesmo que não haja nada para fazer ou que seja indiferente fazer naquele dia ou no próximo. Óbvio, se tiver algo para fazer, e este algo tiver um prazo apertado, fiquemos trabalhando até resolver, porque somos responsáveis. Para mim isso não é o problema. Óbvio também, não é sempre que o chefe literalmente fala que você não pode ir embora, mas é possível sentir a pressão sempre que se tenta sair exatamente na hora ou só um pouco depois, fora o medo de ser mal avaliado. Eu já tive chefes que quase não me deixavam nem ir ao médico, quanto mais ir embora no horário. Posso contar nos dedos o número de vezes que consegui sair exatamente no término do expediente até hoje, desde que comecei a trabalhar. 

Chego até a pensar se ainda faz sentido haver um "expediente", uma vez que ele só é respeitado no horário de entrada... Sinceramente, se fosse possível flexibilizar, eu aceitaria ganhar proporcionalmente menos e ter uma ou duas horas a menos em cada "expediente". Mas como não é...Vida que segue.

Para quem é mensalista (meu caso), é bem real esse truque de diminuir o salário por hora. Por exemplo, há meses de muita demanda em que eu trabalho umas duas horas a mais que o normal, e há meses de menor demanda em que eu trabalho o tempo normal, e em ambos os casos recebo a mesma coisa por mês. Claro que eu poderia enxergar do ponto de vista inverso e considerar que o meu salário na verdade foi pensado para aqueles meses de maior demanda e que nos meses mais tranquilos eu na verdade estaria ganhando a mesma coisa em troca de menos trabalho, ou seja, haveria na verdade um "bônus" nos meses de menor demanda, mas infelizmente não é assim que a psicologia humana funciona: o que eu enxergo é que há épocas em que eu faço um esforço "10" e épocas em que  o esforço precisa ser "20" e eu recebo a mesma recompensa pelos dois, não importa o quanto me esforce, e isso gera frustração e desmotivação. Acredito que seja assim com todo mundo.

Acho que o mais justo seria se todos ganhassem por hora trabalhada, de maneira que os horários fossem flexíveis: se precisar ir no médico ou resolver qualquer problema e para isso precisar sair 1h mais cedo, receberia 1h a menos de salário naquele dia, mas por outro lado, se tiver que ficar até mais tarde, receberia as horas que ficou até mais tarde. É mais justo do que ser mensalista e receber a mesma coisa todo mês independentemente do volume de trabalho. Pode haver casos em que este arranjo não é totalmente justo, mas julgo que seja melhor e mais justo do que o regime mensalista atual.

Agora, porque isso não pega no Brasil? Porque o padrão aqui é ser mensalista (me corrijam se eu estiver errado)? A economia comportamental e a teoria dos jogos ajudam a explicar: como a malandragem está enraizada na psiquê do brasileiro médio (observem nossa produção literária, musical, etc. e verão que muitas obras refletem uma aversão ao trabalho, aversão a ganhar a vida honestamente, etc.), creio que choveria funcionários fazendo corpo mole nas tarefas mais banais do dia-a-dia para forçar a necessidade de horas extras, ou seja, a situação se inverteria, porque o funcionário teria todo o incentivo para trabalhar por mais horas mesmo que isso não fosse necessário. E creio que isso não ocorreria só no Brasil. Até em países mais "certinhos" como (acho) a Suíça os trabalhadores se valeriam deste artifício para ganhar mais.

Uma alternativa ainda mais justa seria a vinculação total do salário à produção: o funcionário ganharia conforme produzisse. Em algumas áreas profissionais é fácil criar uma métrica para produção. Por exemplo, um advogado que fosse empregado de um escritório poderia ganhar um valor "X" por caso em que estivesse trabalhando (todo autônomo ganha assim então porque não um celetista?). Ou um operário numa fábrica poderia ganhar "Y" por peça que produzisse, e por aí vai. Claro que neste cenário, ao mesmo tempo em que haveria um incentivo para que se produzisse mais, poderia haver num primeiro momento uma queda na qualidade: o advogado poderia pegar um número excessivo de casos e não conseguir atuar bem em nenhum (ocorre com muitos autônomos); o operário poderia produzir algumas peças defeituosas por causa da pressa de produzir uma quantidade maior, etc. 
     - Também há a dificuldade de se criar uma métrica para produção em outras profissões cujo produto seja mais abstrato (como medir a produção de um professor? E de um gerente? De um contador?) - talvez para estes casos realmente não caiba uma remuneração por produção, ou a métrica dependa de uma tecnologia que ainda não inventaram...

Mas, a meu ver, nada impediria a coexistência entre os 3 sistemas de remuneração, ou até mesmo a existência de sistemas híbridos (por exemplo, ganhar um mínimo mensal e ter bônus de produtividade e pagamento de horas extras vinculadas à produtividade) mas infelizmente nossas leis trabalhistas não permitem flexibilizar muito a maneira como a empresa remunera e se relaciona com seus empregados, então isso dificulta o surgimento de inovações nesta área que, convenhamos, carece muito de inovações. Pode haver outras maneiras de remunerar um trabalho que nós nem imaginamos ainda, que futuras tecnologias tornem possíveis, por quê não? 

Aguardemos com esperança que um dia as coisas melhorem.

Forte abraço e fiquem com Deus!

2 comentários:

  1. Mago, esse assunto é bem complexo, fica até difícil fazer um comentário mais completo.
    Não sou um cara super exigente, não sou a favor de permanecer depois do horário e sou um crítico de coachs que pregam a figura do trabalhador super motivado e "incansável".

    Mas na minha opinião há muitas distorções dentro do mercado de trabalho brasileiro.

    O trabalhador muitas vezes não se enxerga como profissional e nem enxerga o empregador com relação profissional. Para muitos empresas são clubes e empregadores são pais.
    Por outro lado empregadores enxargam sobretudo os colaboradores mais simples, opercionais etc como burros de carga e sem o mínimo de senso crítico. Pessoas que deveriam dar graças a Deus pela honra de estarem em suas empresas.

    Outro ponto que merece um post específico é a questão social e política no mundo do trabalho, incluindo isso que você citou a respeito de happy hours.
    Tem muito funcionário bom, capacitado, interesado e responsável que é preterido, isolado e que em muitos casos acaba pedindo demissão por não fazer politicagem e/ou não fazer social e/ou não fazer parte de rodinhas de fofoca.
    Os puxa sacos, sabotadores e afins crescem porque de forma geral são bons no social já que são falsos e caras de pau.
    Como tem superiores que gostamde ter seus egos massageados e gostam de receber atenção, alguns destes acabam privilegiando esses puxa sacos e ignorando quem realmente trabalha.
    Isso é injusto e lamentável.

    Tem muita coisa a ser melhorar em relação ao mundo do trabalho, penso que ser autônomo pode ser uma alternativa a quem não tem perfil ou paciência para entrar nessa vida laboral.

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    1. Concordo contigo, anon. Tem muito empregado que se encosta na empresa e quer ser tratado como filho, e eu também tenho essa impressão de que há empresas que tratam os funcionários como se eles tivessem que agradecer por trabalharem lá, como se o salário fosse um bônus.
      É triste também essa questão da politicagem, e muitos empregados medianos ou submedianos mas que se destacam no happy hour e/ou na bajulação acabam tendo carreiras melhores, na malandragem.
      Esses coachs trabalhadores "incansáveis" também são um sintoma da doença que acometeu o mundo do trabalho...
      Se eu pudesse, também seria autônomo, porque aí realmente mais trabalho equivale a mais dinheiro.

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