Saudações, confraria da melhor blogosfera do país e da melhor finansfera do mundo!
Mais um post para quebrar o "jejum" de postagens que não sejam de atualização patrimonial.
Desta vez estou escrevendo sobre um dos assuntos do momento, o polêmico projeto de lei que visa acabar com a escala 6x1 e implantar a 4x3 (conforme um pequeno extrato do projeto de lei que li na internet).
As minhas opiniões sobre a escala de trabalho (e também outros assuntos envolvendo relações trabalhistas) são as seguintes:
1) Concordo 100% que viver trabalhando 6x1 é uma droga, pois você quase não tem tempo para você, para cuidar da sua família, lazer, etc. e também quase não tem tempo para se desenvolver, de modo que quem trabalha nesse ritmo provavelmente ficará preso no ciclo 6x1. Então aquele argumento de "Pede demissão e arruma um emprego melhor se não quiser trabalhar 6x1" é bastante desonesto, pois quem está inserido na corrida dos ratos da escala 6x1, já com obrigações e responsabilidades (Família), muito dificilmente arranjará algo melhor para poder sair. A maioria não se pode dar o luxo de sair para estudar, se qualificar, etc.
2) O problema nem é só a carga de trabalho, mas também o tempo gasto no transporte para ir e voltar todos os dias, 6 vezes por semana. e também o fato de que a escala 6x1 muitas vezes vira 7x0, porque dependendo da empresa, do tipo de negócio, etc. você pode ser chamado para cobrir a falta de alguém no seu dia de folga, e não necessariamente será compensado no dia seguinte. Talvez nem ganhe horas extras, e talvez nem mesmo o tal do "banco de horas" (que costuma ser desrespeitado).
3) Eu considero irreal, pelo menos no momento atual do Brasil, haver uma escala 4x3 mencionada no projeto de lei e que nem a que querem implantar na Europa (ou ao menos é o que dizem). Porém, uma escala 5x2 já melhora bastante a qualidade de vida da pessoa e é a que eu vejo como a "escala normal/padrão de trabalho", pois permite mais tempo com a família, mais tempo para religião, mais tempo de lazer, mais tempo para estudar, para ter hobbies, e por aí vai. E para quem quiser trabalhar mais, também dá mais tempo de se dedicar a bicos, a um negócio paralelo, e por aí vai. Acho que nenhuma empresa merece tanto do nosso tempo, nenhuma empresa merece o nosso 6x1. E como eu já disse outras vezes aqui, para mim a combinação "escala 6x1 + salário mínimo" é uma forma de escravidão moderna. O argumento de que "se não gosta é só pedir demissão" é desonesto porque praticamente não há opção, e para a maioria das pessoas não há mesmo opção.
4) Ao contrário do que dizem por aí, eu acho que o brasileiro trabalha muito e enxergo os nossos feriados e o nosso padrão de férias de 30 dias como uma bênção, dadas as condições do país e as dificuldades que passamos por aqui. Eu já tive um chefe com alguma experiência internacional que, quando conversava comigo, sempre aproveitava para malhar a quantidade de feriado e férias que temos por aqui e citava como exemplo os EUA, em que o normal é você começar na carreira só com algo entre 5 e 10 dias de férias por ano e só quando alcançar um cargo "sênior" é que se ganha uns 20 dias (e ele dizia também que o pessoal "sênior" nunca tirava esses 20 dias porque suas responsabilidades não costumavam permitir, fora o fato de que algum rival dentro da empresa aproveitaria esses 20 dias de ausência para "puxar o tapete") e ele, todo orgulhoso, dizia que "nos EUA o pessoal trabalha até revirar os olhos". Eu acho que ele se esqueceu de levar em conta vários fatores diferentes entre os países - por exemplo, 1 (hum) dólar nos EUA, mesmo hoje na relativa decadência do dólar, rende muito mais do que 1 real aqui - por aqui 1 real não compra quase mais nada, talvez um punhado de bala juquinha - eu lembro de quando elas custavam 1 centavo, hoje em dia deve ser algo entre 20 e 50 centavos; e as coisas lá são muito mais organizadas, limpas, eficientes, seguras, e por aí vai. Eu não acho que sobreviveríamos às bagunças, ineficiências, perigos, caos, etc. do Brasil com uma rotina americana de trabalho, feriados e férias. Ficaríamos malucos com poucos feriados e poucas férias. Essa é a minha opinião.
5) Por outro lado, entendo que a carga tributária e de benefícios sociais e trabalhistas é deveras pesada principalmente para o pequeno e médio empresário, de modo que muitas vezes a escala só é 6x1 porque é isso que o dono do negócio é capaz de bancar. Sendo assim, uma excelente contrapartida para o fim do 6x1 seria haver uma redução proporcional nos custos tributários e trabalhistas.
(Entretanto, sei que isso é um pensamento utópico, pois por aqui quando o governo se acostuma a arrecadar determinado valor, é quase impossível convencê-lo a abrir mão dessa arrecadação (até porque ao invés de guardar e fazer reservas, ele já gastou e já se acostumou a gastar). Aliás, noto que um fenômeno praticamente análogo ocorre no comércio brasileiro: quando um produto atinge determinado preço mais alto do que o anterior (por exemplo, por conta de uma safra ruim, de um pico no preço do petróleo que jogou a gasolina lá em cima, etc.) dificilmente o comércio reduz o preço para os patamares de antes, ainda que a causa do aumento do preço já tenha passado. Ou seja, no Brasil os aumentos de impostos e de preços costumam ser permanentes. Porém, no mínimo os parlamentares que tenham algum interesse em melhorar o Brasil deveriam brigar para incluir essa redução dos custos trabalhistas nesse projeto de lei da escala 6x1. Uma excelente medida seria a redução do desconto do FGTS, tanto do funcionário quanto o patronal).
6) Acredito que essa permanência dos aumentos de preços no comércio brasileiro seja uma consequência de vivermos em uma sociedade de baixa confiança (falta de confiança tanto no próximo quanto no governo);
7) E também é consequência de nossa moeda ser muito inflacionária. Infelizmente as teorias econômicas mais "mainstream" enfiaram na cabeça dos acadêmicos que a deflação é ruim e que deveríamos seguir uma inflação perpétua e baixa, mas eu discordo: ao contrário do que pregam, deveríamos mesmo é perseguir uma Deflação, também perpétua e baixa, na casa dos 2%~3% a.a, ou, ao menos, a manutenção do poder de compra da moeda (inflação zero, deflação também zero).
8) Em que pese a elevada carga tributária e trabalhista, também acho que haja uma parcela de culpa nos empresários brasileiros, por conta de nossa cultura: aqui predomina a mentalidade controladora, em que se valoriza mais que o empregado esteja ali, no batente, onde pode ser observado e controlado, ao invés de se preocupar se ele está de fato produzindo alguma coisa.
9) Óbvio que empresas pequenas não têm condições de pagar grandes salários, mas noto que também há no Brasil uma cultura de desvalorizar o trabalho alheio e de pagar pouco, mesmo em empresas grandes. Muito gerente no Brasil, mesmo de empresa multinacional, ganha mais ou menos o que um caixa do Walmart ganha nos EUA. E não duvido que haja mendigos nos EUA que ganhem mais dinheiro com esmolas do que muito funcionário CLT ganha de salário no Brasil.
Novamente: parte disso é sim por causa dos altos impostos e custos trabalhistas, mas parte também é mesquinharia do "empresário brasileiro médio". Aqui vale muito a famosa metáfora do "balde de caranguejos": ninguém fora da sua família quer que você cresça e evolua, muito pelo contrário! E por esse motivo nosso serviço é desvalorizado e no geral somos todos mal pagos, não temos acesso a bons planos de carreira e crescimento profissional, e geralmente a alta cúpula das empresas médias e grandes são panelinhas e dificilmente dão aumentos de salário a empregados de escalões mais baixos - muito pelo contrário: às vezes encontram meios criativos de reduzir nossos salários (além das clássicas horas extras forçadas, para reduzir o seu salário por hora).
(Por exemplo, uma pessoa muito próxima a mim na família trabalhava numa empresa (de média para grande) em que havia plano de carreira e todos os funcionários ganhavam PLR, até os que faziam serviços mais simples. A empresa foi vendida para determinado empresário, que colocou sua panelinha nos cargos de direção. As medidas que eles tomaram logo de cara: fim do plano de carreira (ninguém nunca mais seria promovido, e quem estava nos postos mais altos do antigo plano de carreira foi demitido), redução do salário-base (quem foi contratado depois da mudança entrou ganhando menos do que ganharia se tivesse entrado antes da troca de dono) e o fim da distribuição de PLR para todos os funcionários exceto diretores - a panelinha distribuía o lucro somente entre si).
10) Resumindo:
a) As empresas são muito expropriadas via impostos e benefícios trabalhistas obrigatórios e, por conta disso, espremem seus empregados até não sobrar nada;
b) O Brasil é muito pobre de empresas por conta da burocracia, dos altos custos, do risco jurídico e da nossa "cultura de emprego", então todo empresário sabe que, no geral, para cada funcionário reclamando do serviço tem outros 500.000 na fila implorando pela vaga e até aceitando ganhar menos e trabalhar mais. Por isso que normalmente a idéia da "livre negociação entre empregado e patrão" quase nunca acontece por aqui;
c) Em um mundo ideal, ninguém seria obrigado a aceitar o 6x1. As pessoas só aceitam porque geralmente não têm opção. Se tivessem opção, recusariam qualquer proposta 6x1 e nenhuma empresa operaria assim. Realmente é desumano trabalhar 6x1, ainda mais ganhando "mil e quinhentão" e sem direito a PLR, plano de saúde, etc. que é o caso da maioria das pessoas, infelizmente.
d) O certo seria o salário ser por hora, e não por mês, e de alguma forma vinculado à produção, de forma a incentivar o trabalho e a produtividade. No mínimo, no mínimo, ser vinculado às horas trabalhadas. Aí talvez acabasse o problema das horas extras não pagas e o da escala de trabalho. O padrão brasileiro deveria ser salário por hora.
e) A escala 6x1 não deveria existir, mas para ser abolida na canetada (ser proibida por lei), então que a caneta reduza também os custos trabalhistas, sociais e tributários. (infelizmente acho difícil reduzirem todos esses custos...)
f) Geralmente as discussões sobre essa polêmica da escala estão focando só no lado econômico, mas não passam pelo lado moral / humano da coisa. Eu acho imoral fazer uma pessoa trabalhar 6x1 e pagar salário mínimo - que, ao menos, esses funcionários não fiquem 8 horas no batente, que trabalhem meio expediente, para que tenham tempo para suas famílias e seus estudos.
f) Independente do que o governo e as empresas vão fazer, devemos todos buscar, no tempo que tivermos disponível, meios de sair da corrida dos ratos (e acho que geralmente o primeiro passo para sair da corrida dos ratos é sair do 6x1, para ganhar tempo, que vale mais do que qualquer dinheiro do mundo)