Saudações, confrades!
A busca por uma renda passiva suficiente para sustentar nosso custo de vida é praticamente uma constante dentre os blogueiros da nossa querida finansfera.
Creio que quase tão "folclórica" quanto a marca do 1 milhão de reais de patrimônio, é a de 1.000 reais por mês de renda passiva, um objetivo perseguido por muitos.
Acho interessante como que no Brasil temos 2 nomes "de peso" na área de finanças pessoais que têm opiniões quase opostas no que diz respeito a dividendos e renda passiva: Luiz Barsi e Bastter.
O Luiz Barsi é um empresário, investidor profissional e ferrenho defensor da ideia de "viver de dividendos", e recentemente até publicou sua autobiografia intitulada "O rei dos dividendos" (fiz uma resenha neste post aqui). Ele defende a abordagem Buy & Hold nos investimentos e que o investidor compre ações todo mês, o máximo que puder, para um dia conseguir viver de dividendos (é digno de nota que a montagem de uma "carteira previdenciária" era o tema central de sua cartilha intitulada "Ações garantem o futuro", publicada muitos anos atrás, conforme sua biografia). Claro que Barsi está armado com décadas de aportes na bolsa, e me parece que as ações no geral eram mais baratas no passado (anos 60~70), de modo que ele conseguiu acumular um patrimônio gigantesco. Não sei se o Barsi seria um adepto do movimento FIRE, mas ele certamente não condena a ideia de "viver de dividendos".
O Bastter é um educador financeiro e empresário do ramo de finanças pessoais, e também é defensor do Buy & hold (e cada vez mais converge para uma abordagem quase "Buy & forget"), da visão de longo prazo, do aporte em valor diversificado, etc. bastante semelhante ao Luiz Barsi em diversos pontos. Porém uma diferença fundamental é que o Bastter já há muito tempo discorda das ideias da filosofia FIRE, viver de dividendos, viver de renda, etc, defendendo que a única renda de verdade é aquela oriunda do trabalho e que viver de renda é ilusão (a não ser que seu patrimônio seja muito, mas muito grande mesmo). Vejo que recentemente (nos últimos 2 anos, pelo menos) ele tem postado mais vídeos no canal dele no Youtube falando sobre dividendos e renda passiva, batendo bastante na tecla de que os dividendos e aluguéis saem da cotação dos ativos, então não "dinheiro extra", mas sim um resgate antecipado de parte do valor investido nestes ativos.
(Hoje em dia há dezenas de "influencers" financeiros nas redes sociais e milhares de assessores de investimento empregados de corretoras e bancos, mas não acompanho nenhum e não faço ideia do que eles dizem sobre esse assunto. Portanto irei ignorá-los neste post).
Analisando os dois autores, Barsi e Bastter, acho que a principal lição a ser aprendida em relação aos dividendos é: não escolher empresas para aportar levando em conta somente o valor dos dividendos que costumam ser pagos e o Dividend Yield, até porque não há nenhuma garantia que a empresa continue para sempre pagando seus dividendos, mesmo aquelas empresas que "sempre pagaram".
Acho que isso foi uma "modinha" quando investir em ações também começou a ser "modinha" no Brasil, acho que lá pelos anos 2000: creio que muita gente só olhava o DY como indicador ao analisar empresas (e no máximo "analisava" o P/L e o L/VPA), e um conhecimento que eu via sendo difundido até em sala de aula (nos cursos universitários que tinham uma cadeira de "finanças" ou "administração financeira") era que o melhor era comprar só ações PN, pois tinham preferência nos dividendos, enquanto que as ON somente davam votos na assembléia de acionistas e isso nunca faria diferença para nós, investidores pessoa física, considerando que somos pequenos investidores sem participações significativas nas empresas. (O problema desse raciocínio é o tag along das ações PN, o que pode trazer surpresas desagradáveis aos acionistas PN em casos de fechamento de capital ou troca de controladores)
Esse foi, por exemplo, o erro do nosso famoso colega Pobretão: ter feito o all-in na Eletropaulo por conta, entre outros motivos, dos gordos dividendos que aquela empresa costumava pagar. O objetivo dele, se bem me lembro, era atingir a marca (impressionante para um pequeno investidor e jovem) de 25.000 ações ELPL4. Com isso, por exemplo, caso a empresa pagasse em determinado mês 2 reais de dividendos (como aconteceu pelo menos umas duas vezes, conforme vi em sites com registros de dividendos por aí), ele receberia R$ 50.000,00 limpos na conta. Tudo lindo e maravilhoso (ele poderia gastar uma parte e com o que sobrasse provavelmente ainda daria para comprar centenas de ações da Eletropaulo ou de outras empresas), porém com esta estratégia ele se arriscou muito, pois seu patrimônio dependia de uma empresa só. Como na época (2012-2015) a empresa teve muitos problemas com a ANEEL, a cotação da ação oscilou bastante, fazendo com que em vários meses ele tivesse imensas variações no patrimônio, tanto positivas quanto negativas. Uma hora ele não aguentou mais a montanha-russa emocional e se desfez da Eletropaulo. E depois não divulgou mais onde estava investindo (tenho a impressão de que ele foi para a renda fixa, mas não lembro)
Neste post aqui, intitulado "O que importa é o fluxo de caixa e não o tamanho do patrimônio", publicado em 2012 (e lá se foram 11 anos!!) o Pobretão dá sua opinião (ao menos a opinião que tinha na época) sobre renda passiva. Eu pessoalmente discordo do que ele escreveu, mas mesmo assim acho que o post não deixa de ser interessante, e acho que os comentários geraram uma discussão bem boa a respeito de dividendos e renda passiva. Acho que vale a leitura para refletir sobre os diferentes pontos de vista (ainda que quase 11 anos depois, muita coisa se mantém atual - a essência é a mesma).
Outra discussão interessante sobre o assunto ocorreu nos comentários do blog do Pobreta neste post: "quantas ações você precisa investir para ter renda de R$ 10.000 mensal em dividendos?". Vale ler os comentários do pessoal, especialmente os escritos pelo colega Viver de Renda.
Outra lição "chata" é a questão de que os dividendos saem da cotação da ação, ou seja, se você gastar os dividendos estará gastando seu patrimônio acumulado, eles não são um "dinheiro novo" que entrou. Idealmente os proventos devem ser reinvestidos. Claro que no comecinho da caminhada ganhamos bem pouco, menos de 20 reais por mês, de modo que praticamente não faz diferença reinvesti-los ou não, mas a lição é que idealmente devemos reinvestir os dividendos das ações e os aluguéis dos FIIs.
Dito isto, a minha opinião pessoal (ao menos atualmente) sobre o assunto é a seguinte:
- concordo que o ideal é reinvestir todos os meses os dividendos e aluguéis recebidos, porém dependendo da situação de vida do investidor, isso nem sempre é possível (e eu estou numa fase em que os gastos estão maiores mesmo, então vários meses precisei usar essa renda passiva como complemento do salário) pois a vida não é linear e "certinha", da mesma maneira como nem sempre será possível, por exemplo, segurar títulos do tesouro durante 30 anos sem nunca mexer no dinheiro (aliás, creio que sejam bem poucos os que conseguem) - mas, mesmo assim, devemos buscar reinvestir tudo, ou pelo menos uma parte, do que recebemos de renda passiva;
- ao mesmo tempo, eu acho que se você precisar do dinheiro, é melhor gastar os dividendos recebidos do que vender as ações ou os FIIs para levantar o montante necessário. Por mais que uma empresa cuja ação valha 10 reais e declare um dividendo de 1 real e você passe a ter R$ 9,00 + R$ 1,00 (ou seja, sem alterações no patrimônio total), se você precisar gastar o dividendo você ainda terá a ação em seu patrimônio, e acho que ações de empresas valem mais do que dinheiro;
- Nem sempre será possível aumentar o rendimento ganho através do trabalho;
- Há um conforto psicológico trazido pela renda passiva dos investimentos. Acho que no mínimo servem para dar uma tranquilizada em relação ao trabalho, principalmente quando o investidor está no estágio de receber dividendos na casa dos poucos milhares de reais;
- Tendo em vista os itens anteriores, os dividendos, JCP e aluguéis podem ser uma importante bóia salva-vidas, quase como se fossem mais uma "dimensão" da Reserva de Emergência (uma reserva flutuante e incerta, mas que ainda assim pode servir como tábua de salvação), ao menos durante um tempo (por exemplo, entre um emprego e outro). Claro que isso não é sustentável para sempre (afinal é renda variável), e deve ser tratado como exceção.
- Na fase de usufruto do patrimônio acumulado, eu particularmente acho melhor ter pelo menos algumas empresas que pagam dividendos (e FIIs) na carteira, para poder usar os dividendos, do que ser obrigado a vender ações para realmente usufruir do valor acumulado.
Em resumo, na minha opinião é melhor receber dividendos do que não receber (óbvio), e devemos reaplicar o máximo que pudermos, usando a renda passiva somente quando necessário. E hoje em dia, que está mais fácil ter investimentos no exterior, também é possível ter uma renda passiva de dividendos em dólar, o que não deixa de ser uma segurança a mais para o pequeno investidor brasileiro. Sendo assim, quem tiver condições, que busque também criar esta renda passiva no exterior, com a vantagem de que, por ser mais difícil gastar esse dinheiro (por que tem que fazer a remessa de volta para o Brasil, e isso "dá trabalho"), tendemos a sempre reaplicar 100% dos proventos em dólar.
O que acham do assunto, companheiros de trincheira?
Forte abraço!
Fiquem com Deus!