Retomando o assunto do padrão ouro, do qual sou entusiasta, como já disse.
Vamos explorar um pouco mais a questão da diminuição dos preços da economia (deflação), a qual seria uma consequência bastante provável no caso da adoção de um padrão ouro no país.
(Cabe ressaltar que a probabilidade de deflação aumentaria ainda mais com a eventual abolição do salário mínimo (ou seja, se deixássemos o mercado ditar o "salário mínimo", e não uma lei) - esta questão abordarei em outro artigo).
Pode ser que com uma eventual volta do padrão ouro, talvez ocorresse uma "febre do ouro", aumentando o ritmo das atividades de mineração, por exemplo, expandindo a oferta. Tal aumento da oferta do metal, se chegasse a se tornar excessivo, faria seu preço diminuir de modo a tornar proibitivo o custo de mineração, desestimulando novos aumentos da oferta, reestabilizando o preço e suavizando a curva de evolução da oferta de ouro para patamares mais, digamos, aceitáveis.
A possibilidade de deflação se encontra na razão entre a variação da oferta de ouro (que seria igual à oferta monetária desta nova economia) e a taxa de crescimento da economia. Se a oferta de ouro crescesse no mesmo ritmo que a economia, os preços se manteriam bastante estáveis (e a economia provavelmente estaria crescendo bem devagar). Se a oferta de ouro crescesse num ritmo mais lento que a economia (o que é de se esperar, dado que, até onde sabemos, o ouro é um metal raro), os preços em geral tenderiam a diminuir, porque com o crescimento da oferta de bens e serviços, o ouro se tornaria relativamente mais escasso frente à produção total da economia. Em outras palavras, a mesma quantidade de ouro compraria um número maior de bens e serviços, porque estes estão se tornando mais abundantes mais rapidamente do que aquele. Vejam que "ouro" neste texto não deve ser necessariamente entendido em sentido literal: basta que o lastro da moeda seja um bem suficientemente escasso, com oferta inelástica (ou quase inelástica), de uso aceito pela sociedade e que dê confiança. Podem ser diamantes, rubis, prata, platina, ródio, paládio, ou até mesmo uma cesta destes e vários outros bens dotados das características mencionadas e que cumpram as três funções da moeda (unidade de conta, reserva de valor e meio de troca). O ruim é a moeda fiduciária (sem valor intrínseco, ou seja, o valor é mera questão de fé e confiança), que é o caso de praticamente todas (senão todas) as moedas do mundo atual.
Vejam como o Real está sendo destruído pela inflação. Como isso pode estar certo? |
Conforme disse em meu outro post sobre padrão-ouro, as consequências disso para quem poupa seu dinheiro seriam ótimas: até o dinheiro guardado em casa seria um investimento pois a deflação faria com que ele se valorizasse em relação aos bens cotados em ouro. Sendo assim, até mesmo se você guardasse regularmente uma parte do seu dinheiro "num colchão", sua velhice estaria paga, pois 50 anos depois uma moeda teria seu valor multiplicado pela deflação. Bastaria poupar para ter um bom patrimônio e se aposentar sem ter que pensar em aplicações financeiras complicadas. Cada moeda estaria valendo mais, fora qualquer renda passiva que se conseguisse. Isso dá ensejo a mais um argumento favorável ao padrão-ouro: o incentivo à poupança. Tal incentivo traz como benefício o aumento do estoque de dinheiro disponível para empréstimos, o que torna o custo de tais empréstimos mais barato, ou seja, juros mais baixos. A consequência de juros mais baixos é o aumento dos investimentos (o que em economia tem um significado diferente do mundo das finanças; em "economês" investimento significa compra de capital, ou seja, aquisição de máquinas, equipamentos, fábricas, ferramentas, etc., ou seja, aquisição de bens produtivos com finalidade empreendedora). O aumento dos investimentos, por sua vez, gera mais empregos (mais fábricas significa no mínimo maior demanda por pessoas para vender, transportar, entregar, supervisionar a produção, controlar a qualidade, fazer marketing, etc.) e aumenta a produção, o que por sua vez aumenta a oferta do bem fabricado, o que contribui para reduzir sua escassez e, consequentemente, diminuir seu preço - mais bens para uma quantidade estável de moeda, ou seja, cada unidade monetária adquire uma quantidade cada vez maior de bens. Viram como uma moeda com lastro (ou pelo menos uma moeda de oferta inelástica) pode, ajudar a criar ciclos virtuosos que beneficiam toda a sociedade, sem a necessidade de nenhum plano econômico mirabolante ou produtos financeiros complicados? Uma economia saudável gera preços decrescentes, que contribuem para diminuir o custo de vida, o que por sua vez contribui para aumentar a liberdade econômica dos indivíduos. A deflação, na forma como a descrevi acima, é algo bom e desejável.
Mas, por incrível que pareça, o que é ensinado por aí é bem diferente.
Na minha pós-graduação (que tive que fazer por causa do trabalho, há dois anos...), eu tive uma cadeira de economia, e o professor dizia que a deflação era uma coisa ruim (me parece uma ideia keynesiana, uma vez que nesta teoria a inflação é que é vista como uma coisa boa para a economia... vai entender). A explicação dada por ele era a seguinte: em um cenário deflacionista, a economia desaceleraria com a queda do consumo, porque todo mundo iria esperar os preços diminuírem para consumir. Na minha humilde opinião, tal pensamento é no máximo meio certo. De fato o consumo de alguns produtos supérfluos diminuiria porque algumas pessoas esperariam alguma diminuição do preço para consumir, mas isso não iria zerar o consumo! As pessoas não param de consumir só porque sabem que os preços vão diminuir. Notem que isso já poderia acontecer hoje em dia: todo mundo sabe que o preço do iPhone XR, vai diminuir quando o iPhone 11 for lançado. Segundo o raciocínio de quem acha que a deflação é ruim, ninguém compraria o iPhone XR porque sabe que ano que vem será lançado o iPhone 11. É isso o que observamos na realidade? Claro que não! E estamos falando de bens supérfluos. Algumas pessoas podem até esperar o preço abaixar, mas o consumo estará longe de ser zero. Em relação aos bens normais, principalmente os de primeira necessidade, este argumento contra a deflação se torna ainda mais esdrúxulo. Pensem no arroz. Só porque eu sei que daqui a um mês o arroz vai ficar mais barato, eu vou deixar de comer arroz hoje? Claro que não! Em relação a bens de primeira necessidade, mesmo num cenário de deflação o consumo seria quase inalterado. Não vejo cabimento na teoria de que as pessoas adiariam o consumo de alimentos e remédios para esperar mais uma queda nos preços. O consumo de bens normais continuaria, digamos, normal. Sinceramente, não sei como o professor não pensou em como o argumento que ele usou era fraco. Talvez ele só tenha ouvido na época em que fez a faculdade dele e agora repete, que nem um papagaio.
Sei que hoje em dia uma moeda com lastro parece um sonho distante, principalmente com lastro em metais preciosos, mas sonhar não custa nada... Quem sabe o mundo, um dia, não desperte da ilusão que é o dinheiro fiduciário...
Forte abraço!