terça-feira, 9 de julho de 2019

Mais sobre o padrão-ouro: os mecanismos da Deflação


Retomando o assunto do padrão ouro, do qual sou entusiasta, como já disse.

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Vamos explorar um pouco mais a questão da diminuição dos preços da economia (deflação), a qual seria uma consequência bastante provável no caso da adoção de um padrão ouro no país.

(Cabe ressaltar que a  probabilidade de deflação aumentaria ainda mais com a eventual abolição do salário mínimo (ou seja, se deixássemos o mercado ditar o "salário mínimo", e não uma lei) - esta questão abordarei em outro artigo).

Pode ser que com uma eventual volta do padrão ouro, talvez ocorresse uma "febre do ouro", aumentando o ritmo das atividades de mineração, por exemplo, expandindo a oferta. Tal aumento da oferta do metal, se chegasse a se tornar excessivo, faria seu preço diminuir de modo a tornar proibitivo o custo de mineração, desestimulando novos aumentos da oferta, reestabilizando o preço e suavizando a curva de evolução da oferta de ouro para patamares mais, digamos, aceitáveis.

A possibilidade de deflação se encontra na razão entre a variação da oferta de ouro (que seria igual à oferta monetária desta nova economia) e a taxa de crescimento da economia. Se a oferta de ouro crescesse no mesmo ritmo que a economia, os preços se manteriam bastante estáveis (e a economia provavelmente estaria crescendo bem devagar). Se a oferta de ouro crescesse num ritmo mais lento que a economia (o que é de se esperar, dado que, até onde sabemos, o ouro é um metal raro), os preços em geral tenderiam a diminuir, porque com o crescimento da oferta de bens e serviços, o ouro se tornaria relativamente mais escasso frente à produção total da economia. Em outras palavras, a mesma quantidade de ouro compraria um número maior de bens e serviços, porque estes estão se tornando mais abundantes mais rapidamente do que aquele. Vejam que "ouro" neste texto não deve ser necessariamente entendido em sentido literal: basta que o lastro da moeda seja um bem  suficientemente escasso, com oferta inelástica (ou quase inelástica), de uso aceito pela sociedade e que dê confiança. Podem ser diamantes, rubis, prata, platina, ródio, paládio, ou até mesmo uma cesta destes e vários outros bens dotados das características mencionadas e que cumpram as três funções da moeda (unidade de conta, reserva de valor e meio de troca). O ruim é a moeda fiduciária (sem valor intrínseco, ou seja, o valor é mera questão de fé e confiança), que é o caso de praticamente todas (senão todas) as moedas do mundo atual.

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Vejam como o Real está sendo destruído pela inflação. Como isso pode estar certo?


Conforme disse em meu outro post sobre padrão-ouro, as consequências disso para quem poupa seu dinheiro seriam ótimas: até o dinheiro guardado em casa seria um investimento pois a deflação faria com que ele se valorizasse em relação aos bens cotados em ouro. Sendo assim, até mesmo se você guardasse regularmente uma parte do seu dinheiro "num colchão", sua velhice estaria paga, pois 50 anos depois uma moeda teria seu valor multiplicado pela deflação. Bastaria poupar para ter um bom patrimônio e se aposentar sem ter que pensar em aplicações financeiras complicadas. Cada moeda estaria valendo mais, fora qualquer renda passiva que se conseguisse. Isso dá ensejo a mais um argumento favorável ao padrão-ouro: o incentivo à poupança. Tal incentivo traz como benefício o aumento do estoque de dinheiro disponível para empréstimos, o que torna o custo de tais empréstimos mais barato, ou seja, juros mais baixos. A consequência de juros mais baixos é o aumento dos investimentos (o que em economia tem um significado diferente do mundo das finanças; em "economês" investimento significa compra de capital, ou seja, aquisição de máquinas, equipamentos, fábricas, ferramentas, etc., ou seja, aquisição de bens produtivos com finalidade empreendedora). O aumento dos investimentos, por sua vez, gera mais empregos (mais fábricas significa no mínimo maior demanda por pessoas para vender, transportar, entregar, supervisionar a produção, controlar a qualidade, fazer marketing, etc.) e aumenta a produção, o que por sua vez aumenta a oferta do bem fabricado, o que contribui para reduzir sua escassez e, consequentemente, diminuir seu preço - mais bens para uma quantidade estável de moeda, ou seja, cada unidade monetária adquire uma quantidade cada vez maior de bens. Viram como uma moeda com lastro (ou pelo menos uma moeda de oferta inelástica) pode, ajudar a criar ciclos virtuosos que beneficiam toda a sociedade, sem a necessidade de nenhum plano econômico mirabolante ou produtos financeiros complicados? Uma economia saudável gera preços decrescentes, que contribuem para diminuir o custo de vida, o que por sua vez contribui para aumentar a liberdade econômica dos indivíduos. A deflação, na forma como a descrevi acima, é algo bom e desejável.

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Mas, por incrível que pareça, o que é ensinado por aí é bem diferente.

Na minha pós-graduação (que tive que fazer por causa do trabalho, há dois anos...), eu tive uma cadeira de economia, e o professor dizia que a deflação era uma coisa ruim (me parece uma ideia keynesiana, uma vez que nesta teoria a inflação é que é vista como uma coisa boa para a economia... vai entender). A explicação dada por ele era a seguinte: em um cenário deflacionista, a economia desaceleraria com a queda do consumo, porque todo mundo iria esperar os preços diminuírem para consumir. Na minha humilde opinião, tal pensamento é no máximo meio certo. De fato o consumo de alguns produtos supérfluos diminuiria porque algumas pessoas esperariam alguma diminuição do preço para consumir, mas isso não iria zerar o consumo! As pessoas não param de consumir só porque sabem que os preços vão diminuir. Notem que isso já poderia acontecer hoje em dia: todo mundo sabe que o preço do iPhone XR, vai diminuir quando o iPhone 11 for lançado. Segundo o raciocínio de quem acha que a deflação é ruim, ninguém compraria o iPhone XR porque sabe que ano que vem será lançado o iPhone 11. É isso o que observamos na realidade? Claro que não! E estamos falando de bens supérfluos. Algumas pessoas podem até esperar o preço abaixar, mas o consumo estará longe de ser zero. Em relação aos bens normais, principalmente os de primeira necessidade, este argumento contra a deflação se torna ainda mais esdrúxulo. Pensem no arroz. Só porque eu sei que daqui a um mês o arroz vai ficar mais barato, eu vou deixar de comer arroz hoje? Claro que não!  Em relação a bens de primeira necessidade, mesmo num cenário de deflação o consumo seria quase inalterado. Não vejo cabimento na teoria de que as pessoas adiariam o consumo de alimentos e remédios para esperar mais uma queda nos preços.  O consumo de bens normais continuaria, digamos, normal. Sinceramente, não sei como o professor não pensou em como o argumento que ele usou era fraco. Talvez ele só tenha ouvido na época em que fez a faculdade dele e agora repete, que nem um papagaio.

Sei que hoje em dia uma moeda com lastro parece um sonho distante, principalmente com lastro em metais preciosos, mas sonhar não custa nada... Quem sabe o mundo, um dia, não desperte da ilusão que é o dinheiro fiduciário...

Forte abraço!

terça-feira, 2 de julho de 2019

Desventuras no Trabalho (3) - o diretor detalhista

Saudações, caros leitores.

Tenho escrito bem pouco. No início do blog (fevereiro deste ano) eu até conseguia colocar um ritmo mais ou menos regular de postagens: eu postava quase todo domingo. Por um tempo foi assim. Minha rotina no trabalho estava bem mais tranquila no início do ano e de abril para cá vem piorado (por motivos de sazonalidade do negócio), estou saindo um pouco mais tarde e me cansando mais, além de outras coisas de fora do trabalho (meus estudos, cuidar da minha casa, etc.). Àqueles que gostam de ler o blog, não se preocupem, não vou sumir e nem abandonar o blog. Espero poder voltar em breve a postar mais regularmente, pelo menos uma vez por semana.

Estava aqui lembrando dessa história que aconteceu comigo e resolvi compartilhá-la como mais um capítulo da minha série "Desventuras no Trabalho" (cá entre nós, rezo para não ter muito mais histórias desse tipo para contar aqui!).  Obviamente, os nomes, locais, etc. verdadeiros não serão mencionados, para proteger a integridade e privacidade das pessoas envolvidas nos acontecimentos, principalmente a minha.

Na empresa que eu estava trabalhando (a primeira, que eu mencionei no relato "Meu primeiro chefe"), chegou um momento em que o diretor da época seria transferido para outro cargo e um novo diretor, vindo de outro setor da empresa, em outra cidade, assumiria o lugar dele. 

Quando a notícia chegou no escritório, o pessoal que já havia trabalho com aquele cara antes ficou apavorado: diziam que ele era um workaholic superexigente, se estressava por qualquer coisa, perseguia as pessoas de quem ele não gostava e bastava um errinho qualquer para ele não gostar de você. Eram uns três ou quatro que já haviam trabalhado com ele e agora estavam contando histórias tenebrosas de esporros homéricos, demissões, madrugadas em claro preenchendo planilhas, relatórios, etc. 

Claro, em qualquer lugar o pessoal adora exagerar nas histórias (não entendo esse comportamento, mas as pessoas adoram se vangloriar de como se ferram no trabalho... triste isso), mas digo a vocês que infelizmente em uns 90% eles tinham razão...

Nas semanas anteriores à chegada do novo diretor, aquele meu gerente chato preparou uma planilha imensa de tarefas a serem feitas para preparar o terreno para o novo chefe. Envolvia de tudo: revisar contratos com fornecedores, cobrar dívidas de clientes, pagar contas atrasadas, preparar apresentações detalhando os projetos e contratos em andamento, etc. Posso dizer, sem exagero, que metade das tarefas era minha (em parte porque eu ainda tinha menos de seis meses lá, então ainda era "o cara novo"). 

Foram dias terríveis, indo embora depois das 20h quase todo dia. Sempre que podia eu almoçava bem rápido para aproveitar o intervalo de almoço para me adiantar e talvez não sair tão tarde, mas nem sempre era possível: às vezes o gerente fazia questão de almoçar com todo mundo, e aí o almoço já emendava ali mesmo numa reunião... Tinha dias que eu até evitava sair para almoçar, com medo do gerente querer ir comigo e ficar discutindo as tarefas. Para piorar, todos estavam muito estressados, em boa parte por causa das histórias a respeito do novo diretor.

O dia em que ele chegou na empresa foi muito escroto. Ele passeou por todas as salas, ficou perguntando detalhes de tudo, teve salas que ele até repetiu, fez perguntas redundantes para tentar pegar alguém no erro...  foi horrível ver o gerente me olhando de cara feia quando eu respondia as perguntas (antes da visita ele me ameaçou, dizendo que qualquer coisa errada que eu dissesse seria motivo para o novo diretor me perseguir - por causa disso eu estava muito nervoso naquele dia, então devo ter dito uma bobagem ou outra, mas não creio que o novo diretor tenha percebido)...

No fim das contas essa visita inicial durou umas quatro horas, bastante intensas (imaginem o medo de não saber a resposta para alguma pergunta que ele fizesse...) e o almoço ainda foi tenso - sim, ele fez todo mundo almoçar no mesmo lugar que ele, para "conhecer a equipe". Sabem como é almoço de empresa com o chefe... Tudo o que você fizer, escolher, disser, beber, etc. será julgado e provavelmente será levado em consideração em futuras promoções ou demissões, ainda que a um nível subconsciente. Eu nem consegui comer direito, estava exausto da visita, com enxaqueca e pensando que ainda havia o resto do dia (e sabe-se lá que horas eu voltaria para casa).

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Eu, pensando no quanto ainda faltava para acabar aquele dia

Na parte da tarde foram os powerpoints dos projetos, estratégias, etc e depois ainda teve uma reunião, e o pior foi que me colocaram para fazer a ata. Eu tinha que escrever tudo o que o pessoal falava na reunião. Era difícil acompanhar o que todos estavam dizendo, as respostas, réplicas e tréplicas de todo mundo, e ao mesmo tempo eu também tinha coisas para dizer e apresentar na reunião, toda hora pediam pra trocar alguma coisa, etc. 

Quem já fez ata de reunião sabe como pode ser chata essa tarefa. Depois da reunião (que, óbvio, acabou tarde, por volta das 18h) eu ainda tive que dar uma editada na ata, imprimir, e pegar as assinaturas do pessoal (todo mundo doido para ir embora). Tinha uns que faziam questão de ler tudo, outros assinavam sem ler, enfim, uma chatice.

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Uma pequena amostra de como foi a reunião, todo mundo cansado, e o diretor ali, super feliz, como se sugasse a energia dos outros para se manter.

 Mas o pior mesmo foi quando eu tive que pegar a assinatura do novo diretor. A primeira vez que levei os papéis para ele assinar, ele leu tudo e reclamou de uma vírgula mal colocada, pedindo para eu editar o texto. Até aí tudo bem, porque realmente a posição da vírgula pode mudar completamente o sentido de uma frase (não era o caso, mas vá lá). 

O problema foi quando eu voltei, ele leu de novo, e reclamou que o nome de um determinado produto deveria ter sido escrito em maiúsculas e pediu de novo para mudar o texto. Já eram 20h da noite. 

Fui lá e mudei o texto. 

Quando voltei, ele reclamou que o nome dele estava abreviado e o das outras pessoas não estava (óbvio, o nome dele era o único grande, e não tinha como caber Aparilson Playboyson Escrotilovsky Filhaça da Silva  embaixo da linha de assinatura sem abreviar). Ele mandou mudar isso e lá fui eu de novo. 

Não era só ir lá mudar e trazer para ele assinar: em todas as vezes que voltei para entregar o papel para ele assinar, eu tomei um chá de cadeira de pelo menos uns 10-15 minutos de cada vez

Quando finalmente consegui sair, já eram mais de 22h. Gastei pelo menos umas 2h30 da minha vida editando e reeditando um documento para um chefe workaholic ultradetalhista, preocupadíssimo com o maneira como o nome dele era abreviado em um documento interno da empresa que provavelmente só seria lido se e quando houvesse uma auditoria.

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"Eu quero essa ata ainda hoje. Não interessa que já são 21h. Você não é pago para isso?"

A minha pergunta é: o que ele ganhou com isso? Ele desperdiçou pelo menos duas horas e meia de trabalho de um funcionário da empresa. Mesmo eu não ganhando hora extra (o que era o caso, infelizmente), eu poderia ter usado aquelas duas horas para fazer algo mais produtivo, algo realmente necessário para a empresa. Acho que ele na verdade me puniu por algum erro que ele achou que eu tivesse cometido (na reunião, na visita ou no almoço) e ganhou "dividendos emocionais", satisfazendo o próprio ego.

Observei nos dias que se seguiram que ele visivelmente se sentia bem pisando nos outros, cobrando detalhinhos, microgerenciando, fazendo a vida de todos um inferno (e o pior é que ele se achava legal e que estava motivando o pessoal...).  

Ainda bem que só aturei aquela figura nos meus últimos dois meses naquela empresa.

Edit 2023: um belo dia fiquei sabendo que esse diretor já  se aposentou. Menos um workaholic imbecil no mundo corporativo!