terça-feira, 7 de maio de 2019
Microeconomia - alocações eficientes e a questão do "Preço Sombra"
Este é o tal "post mais técnico" que prometi há algumas semanas. Sei que nem todos vão se interessar, e é um assunto que os estudantes de economia vêem mais no mestrado ou doutorado, mas gosto de escrever sobre essas coisas. De vez em quando vou tentar escrever de forma resumida em meu blog minhas leituras nestes assuntos acadêmicos. Relembro a todos os meus leitores que não sou um economista formado, mas gosto de estudar sozinho a respeito . Tenho plena consciência de que várias coisas que são escritas nas áreas de economia e finanças são, pelo menos superficialmente, de pouca ou nenhuma utilidade prática no "mundo real", principalmente para nós, meros mortais. Entretanto, nem por isso é certo pensar que tais assuntos são perda de tempo. Muito pelo contrário. Não sabemos as implicações futuras de muitas das coisas que estudamos; poucos são aqueles que sequer conseguem sonhar com as tecnologias que existirão no futuro, e muitos menos fazem ideia dos conhecimentos que, hoje aparentemente inócuos, serão um dia necessários e "triviais". Dito isto, vou conduzir os mais leigos no assunto, explicando alguns termos fundamentais para a compreensão do texto.
"Utilidade" é um conceito criado por economistas para denominar o grau de "o quão bom" o consumo de determinado conjunto de bens é percebido pelo consumidor. Quanto mais "satisfeito" ele fica, maior é a "utilidade" desse conjunto (normalmente o conjunto de bens é denominado "Cesta", nos livros-texto de economia). Também pode ser dito "satisfação", no lugar de "utilidade". Pode-se dizer que a "utilidade" é uma tentativa de quantificar a felicidade de um consumidor.
"Agente" ou "agente econômico" é como os economistas chamam as pessoas e entidades que influenciam a economia: consumidores, empresas, governos, etc.
Uma alocação eficiente no sentido de Pareto (também dita "Pareto-eficiente") é aquela em que um agente terá sua utilidade maximizada, dada a utilidade de outro agente (ou seja, é aquela situação em que não tem como a situação de A melhorar sem acabar piorando a de B, porque os recursos já estão alocados da melhor maneira possível entre os dois agentes - ou seja, a utilidade de A está em seu maior valor possível, dada a utilidade de B - presumida fixa para fins de abstração - o que significa que pressupõe-se que a quantidade de bens não irá aumentar).
Dentro da Teoria dos Preços, há um fenômeno chamado "Preço Sombra" (Shadow price), que influencia a formação dos preços. É uma daquelas ideias econômicas que geralmente não se encontra nos livros-texto de economia, estando mais restritas às dissertações de mestrado e teses de doutorado, além é claro dos livros dos autores realmente consagrados no assunto (aqueles que, digamos, criam novos conhecimentos, como Friedman, Walras, Sargent, etc.), e não os daqueles que "só" escrevem para a academia (que replicam e transmitem as ideias).
Achei interessante a ideia do Preço-Sombra, e foi por isso que resolvi escrever sobre ela, de forma bem resumida. Para entender melhor, imaginem que há uma pequena fábrica de carros de luxo, que só produz poucos carros por ano, e normalmente sob encomenda. Imaginem que ela só produz 100 carros por ano, não por uma razão de exclusividade, mas sim por uma questão de limitação da produção: ele só tem capacidade para produzir até 100 unidades por ano. Quem compra esses carros exclusivos? Segundo a teoria, apenas os 100 consumidores que estivessem dispostos a oferecer os 100 maiores preços pelos carros é que os levariam: por exemplo, o cliente que mais quer o carro estaria disposto a pagar 100 mil, o segundo a pagar 99 mil e quinhentos, e assim por diante, até o último cliente, o centésimo, que estaria disposto a pagar, por exemplo, até 70 mil pelo carro. O "centésimo primeiro cliente", ou seja, o primeiro a ficar de fora da compra (chamado na teoria de "consumidor supramarginal"), estaria disposto a pagar até 69 mil por um carro daquela fábrica. O consumidor que comprou o último carro (o 100º), é chamado pela teoria de "consumidor marginal". O preço de equilíbrio do mercado será algo entre 70 mil e 69 mil. Notem que foi o consumidor supramarginal (relembrando, o 101º) quem definiu o preço mínimo a partir do qual o preço de equilíbrio do mercado será definido entre o empresário e o 100º consumidor, pois para comprar um carro (e participar deste mercado) seria necessário oferecer um preço maior do que aquele que o consumidor supramarginal está disposto a oferecer.
Para fabricar o tal 101º carro, a fábrica incorreria num custo, digamos, de 30 mil reais. O preço sombra (no caso, o preço sombra da capacidade da fábrica) é a diferença entre o valor que o consumidor supramarginal está disposto a pagar e o custo para fabricar este item a mais. No caso do exemplo, o preço sombra é 39 mil reais. Ele também representa o custo de oportunidade da empresa (o quanto ela deixou de ganhar por não ser capaz de produzir um carro a mais)
Temos que levar em conta o seguinte: para que valha a pena produzir o 101º carro, no exemplo dado, o custo de aumentar a capacidade de produção instalada deverá ser inferior ao preço sombra (no caso, 39 mil), para que a empresa continue lucrando. Se for superior, não valerá a pena aumentar a capacidade produtiva da fábrica, a qual continuará sendo capaz de produzir apenas 100 carros.
Que conclusões os economistas tiraram deste raciocínio?
1) O preço de equilíbrio (que é o preço de mercado) depende do consumidor supramarginal (o primeiro que não consegue consumir), pois ele definirá o piso a partir do qual o preço de equilíbrio será negociado;
2) O preço sombra é o custo de oportunidade da empresa por não ter uma capacidade produtiva maior;
3) Como é o preço que o consumidor supramarginal que determina o preço-sombra, e o preço-sombra determinará o custo máximo que o produtor arcará para expandir sua capacidade produtiva, vemos que é o preço que determina o custo da expansão, e não o contrário (ou seja, não é o custo de expansão da fábrica que determinará o preço, ao menos em teoria: o empresário tentará planejar a expansão da capacidade produtiva com base no que ele considera que seja o preço sombra).
Há várias nuances nesse assunto, e alguma álgebra em alguns pontos, mas, grosso modo, preço-sombra é isso. O assunto é árido, mas acho interessante.
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