Saudações, amigos.
Estou retomando aqui no blog a discussão sobre ETF, porque ainda há coisas que me incomodam sobre o assunto... Uma vez que este blog também me serve como um diário de meus pensamentos econômicos e financeiros, quero deixar aqui registrados e claros os fundamentos da discussão tal qual eu os entendo, e conforme os estudei.
Não acho que possamos simplesmente dispensar qualquer assunto relativo a finanças (e na verdade, a praticamente qualquer área da vida) com a frase "isso é besteira, deixa para lá" ou "tal coisa é lixo, então dane-se": acho importante entendermos os fundamentos por trás das teorias para então, com o julgamento racional, tomarmos nossas próprias decisões, ao invés de seguir cegamente a opinião de fulano ou beltrano.
Esta semana terminei de ler um livro do John Bogle, aquele que já há alguns anos foi recomendado pelo Viver de Renda - "The Little Book of Common Sense Investing" (O pequeno sobre investimentos de senso comum), e vou começar esta série fazendo aqui uma breve resenha do livro.
Aliás, não sei se alguém da blogosfera chegou a comentar, mas, infelizmente, John Bogle morreu em janeiro deste ano. Fiquei sabendo disso enquanto fazia minha pesquisa para este post. Que Deus guarde sua alma.
Antes de mais nada, é importante dizer que tanto a vida profissional quanto a vida acadêmica de John Bogle gravitaram em torno de fundos de índice. Na verdade, ele foi o autor da ideia, o pai dos fundos de índice.. Sendo assim, é óbvio que a opinião do autor é bastante enviesada neste sentido e, por isso, recomendo cautela e um pouco de ceticismo a todos os que lerem o livro.
Dito isto, vamos à resenha:
A filosofia de investimentos de John Bogle pode ser resumida nas seguintes afirmações:
1) Mantenha os custos baixos (taxa de administração, de carregamento, de performance,etc. Busque sempre os menores custos)
2) Mantenha o turnover baixo (ou seja, gire muito pouco o seu patrimônio, não fique toda hora trocando o dinheiro de lugar, pulando de um ativo para outro)
3) Stay the course (mantenha-se no rumo - ou seja, não mude toda hora a sua estratégia - pense bem nela e mantenha o curso)
4) Mantenha tudo simples (ou seja, não é necessário - e é até prejudicial - usar métodos complicados de investimento, como métodos quantitativos, análises econométricas, fazer operações complicadas na bolsa, aplicar em produtos financeiros ultra sofisticados, etc. No próprio livro há a citação de um blogueiro ["Dividend Growth Investor"] que define o "Keep it Simple" como sendo "tenha ações e alguns títulos")
- O livro em si é um tanto repetitivo - em alguns pontos chega a lembrar os livros do Kyosaki, por conta da repetição de ideias... mas isso até é compreensível por 3 motivos: 1º - Bogle quer "martelar" a ideia na cabeça dos seus leitores, e uma maneira de fazer isso é através da repetição; 2º - conforme eu escrevi acima, a ideia por trás do livro é simples e pode ser resumida em 4 parágrafos, mas Bogle quis escrever um livro, então precisou encher linguiça; e 3º - por mais simples que sejam as ideias, é necessário demonstra-las com fatos e números para que tenham mais credibilidade;
- Nos capítulos iniciais Bogle demonstra várias vezes a superioridade de um fundo de índice (que ele denomina "TIF" - Traditional Index Funds) perante qualquer fundo de investimento ativo (fundos ativos são aqueles que tentam superar seus benchmarks, ou seja, o gestor fica fazendo operações na bolsa para superar, por exemplo, o Ibovespa) , e explica que isso se dá principalmente por causa dos custos: os fundos ativos, em sua tentativa de superar seus benchmarks, acabam girando demais seu patrimônio, incorrendo em muitos gastos com corretagens, emolumentos, taxas diversas da B3, etc. Um fundo passivo, por outro lado, como apenas tenta seguir seu benchmark, faz muito menos operações e isso gera custos menores. Outra explicação é a "Regressão à Média", um termo estatístico que pode ser traduzido como "tudo o que sobe eventualmente desce" - com isso Bogle quer dizer que os fundos com melhor desempenho passado teriam maior propensão a ter rendimentos inferiores no futuro (e isso faz sentido, porque quanto mais um fundo cresce e maior se torna seu patrimônio, mais difícil se torna ter um retorno alto em termos percentuais, e retornos em percentuais declinantes tendem a ativar o comportamento de manada que faz com que a muitos dos investidores queiram sacar seu dinheiro do fundo);
- Outra explicação para o desempenho dos fundos ativos em geral ser pior do que o dos passivos é que o gestor que tenta superar um benchmark se vê obrigado a fazer investimentos mais arriscados, na esperança de acertar "na mosca" e faturar alto em uma tacada, mas o que acontece na maioria das vezes é justamente o contrário;
- Outro mérito do livro é apontar para os custos fiscais dos fundos de investimento. Isso é outro ponto fraco dos fundos ativos (e de qualquer investidor que fique girando demais seu patrimônio): quando o gestor fica "treidando", lucrando alguns centavos por ação em cada operação, parte deste lucro irá para o governo. Outra parte vai para alimentar as terríveis "taxas de performance" e o que sobrar, só aí irá para o patrimônio do investidor. Os fundos passivos, por outro lado, como só estão preocupados em acompanhar seu índice-referência, tendem a não girar tanto o patrimônio, o que significa menos custos com impostos.
- Outra explicação para o desempenho dos fundos ativos em geral ser pior do que o dos passivos é que o gestor que tenta superar um benchmark se vê obrigado a fazer investimentos mais arriscados, na esperança de acertar "na mosca" e faturar alto em uma tacada, mas o que acontece na maioria das vezes é justamente o contrário;
- Outro mérito do livro é apontar para os custos fiscais dos fundos de investimento. Isso é outro ponto fraco dos fundos ativos (e de qualquer investidor que fique girando demais seu patrimônio): quando o gestor fica "treidando", lucrando alguns centavos por ação em cada operação, parte deste lucro irá para o governo. Outra parte vai para alimentar as terríveis "taxas de performance" e o que sobrar, só aí irá para o patrimônio do investidor. Os fundos passivos, por outro lado, como só estão preocupados em acompanhar seu índice-referência, tendem a não girar tanto o patrimônio, o que significa menos custos com impostos.
-É interessante notar, no capítulo 15, que Bogle fala especificamente dos ETF (Exchange Traded Funds) e os define como sendo uma versão "mais agressiva" dos TIF, o que me leva a crer que aqui no BR não há TIFs na concepção de Bogle.
- Outra característica de alguns dos ETF, citada pelo autor, é a existência de um "tema", uma característica de todas as ações que o compõe e que norteia as aquisições do fundo (ex: um ETF que só investe em ações que tenham dividend yield superir a X%; ou que só invista em ações de empresas de tecnologia, ou só de empresas exportadoras, etc. No BR tem alguns ETF assim: por exemplo, aqui existe o ECOO11, que investe em empresas que adotam "práticas transparentes de eficiência de emissão de gases causadores do efeito estufa", seja lá o que isso signifique, e baseia sua alocação de ativos em "níveis de emissão de gases do efeito estufa") na visão de Bogle (e eu concordo com ele), se o fundo é baseado em um "tema", então ele não está diversificando de verdade, o que torna esta estratégia ineficiente, do ponto de vista da dicotomia Risco X Retorno.
- Outra característica de alguns dos ETF, citada pelo autor, é a existência de um "tema", uma característica de todas as ações que o compõe e que norteia as aquisições do fundo (ex: um ETF que só investe em ações que tenham dividend yield superir a X%; ou que só invista em ações de empresas de tecnologia, ou só de empresas exportadoras, etc. No BR tem alguns ETF assim: por exemplo, aqui existe o ECOO11, que investe em empresas que adotam "práticas transparentes de eficiência de emissão de gases causadores do efeito estufa", seja lá o que isso signifique, e baseia sua alocação de ativos em "níveis de emissão de gases do efeito estufa") na visão de Bogle (e eu concordo com ele), se o fundo é baseado em um "tema", então ele não está diversificando de verdade, o que torna esta estratégia ineficiente, do ponto de vista da dicotomia Risco X Retorno.
- Nos capítulos 18 e 19, o autor fala sobre alocação de ativos, nos quais ele defende a estratégia simples, enunciada por Benjamin Graham, de diversificar entre ações e títulos (públicos e privados), de modo que a proporção investida em ações sempre fique entre 25% e 75% do portfolio do investidor. Bogle defende que quanto maior for a expectativa de vida do investidor no momento do investimento, maior deverá ser a alocação em ações. Bogle até mesmo defende que um investidor jovem, no início de sua carreira profissional, fique alocado 100% em ações em seus primeiros anos de investimento , e também não acha uma boa ideia que mesmo um idoso tenha 0% em ações (ele acha isso arriscado) - ele defende que, idealmente, a renda do investidor idoso e aposentado seja proveniente dos dividendos das ações e da própria seguridade social (o nosso INSS), e não da venda dos ativos do portfolio.
- Por fim, uma lição muito importante: em diversos momentos do livro, o autor relembra que todas as estratégias de investimento têm uma falha em comum: todas, em maior ou menor grau, levam em consideração as rentabilidades passadas (das ações, do mercado como um todo, dos títulos públicos, etc.), o que nunca é garantia de rentabilidade futura, e é por isso que Bogle defende a ideia de que "não adianta ficar procurando a agulha no palheiro: compre o palheiro inteiro, que a agulha estará lá"; esta ideia sintetiza o que seria um TIF ideal.
Após ter lido o livro, cheguei às seguintes conclusões:
1) Na minha opinião, dentre os ETF negociados na B3, a princípio os que mais se aproximam dos critérios de investimento defendidos por John Bogle são o PIBB11, BRAX11 e BOVA11. No próximo artigo desta série (que já está no forno), falarei um pouco mais sobre eles.
2) Os fundos ativos só continuam existindo porque a maioria das pessoas têm preguiça de pensar e entender o que são coisas como taxa de administração, taxa de carregamento e taxa de performance, e seus efeitos perversos sobre o patrimônio, e também porque o lobby do setor financeiro no mundo todo é poderoso;
3) Fundos de investimentos, principalmente os ativos, são máquinas de fazer dinheiro... para seus gestores, para os bancos e corretoras, e para o governo, e tudo isso às custas do patrimônio dos cotistas;
4) O único tipo de fundo que eu acho "aceitável" como investimento são os aqueles definidos por Bogle como "TIF" (Traditional Index Fund): gerenciamento passivo, custos bem baixos (não só a taxa de administração, mas também os custos internos das operações do fundo), diversificação grande que tente replicar o índice "do mercado" (de preferência, fundos que tenham literalmente ações de todas as empresas negociadas na bolsa, ou pelo menos de muitas empresas, sem concentrar em setores específicos);
5) Em que pese o item 4, ainda há de se levar em conta o fardo da taxa de administração e, no caso brasileiro, o absurdo imposto de 15% sobre o lucro quando da venda das cotas (Porém, pensando por outro lado, suponha que você consiga viver de renda, vendendo um pouco das cotas desses fundos periodicamente para se sustentar: se você é assalariado, você provavelmente paga entre 7,5% e 27,5% de IRPF. Mas, se seu sustento viesse não de um salário, mas das vendas das cotas de ETFs que você acumulou ao longo da vida, você acabaria pagando menos IR do que paga hoje, caso hoje você esteja na metade superior das alíquotas do IRPF... ).
Forte abraço, e até a próxima parte!
2) Os fundos ativos só continuam existindo porque a maioria das pessoas têm preguiça de pensar e entender o que são coisas como taxa de administração, taxa de carregamento e taxa de performance, e seus efeitos perversos sobre o patrimônio, e também porque o lobby do setor financeiro no mundo todo é poderoso;
3) Fundos de investimentos, principalmente os ativos, são máquinas de fazer dinheiro... para seus gestores, para os bancos e corretoras, e para o governo, e tudo isso às custas do patrimônio dos cotistas;
4) O único tipo de fundo que eu acho "aceitável" como investimento são os aqueles definidos por Bogle como "TIF" (Traditional Index Fund): gerenciamento passivo, custos bem baixos (não só a taxa de administração, mas também os custos internos das operações do fundo), diversificação grande que tente replicar o índice "do mercado" (de preferência, fundos que tenham literalmente ações de todas as empresas negociadas na bolsa, ou pelo menos de muitas empresas, sem concentrar em setores específicos);
5) Em que pese o item 4, ainda há de se levar em conta o fardo da taxa de administração e, no caso brasileiro, o absurdo imposto de 15% sobre o lucro quando da venda das cotas (Porém, pensando por outro lado, suponha que você consiga viver de renda, vendendo um pouco das cotas desses fundos periodicamente para se sustentar: se você é assalariado, você provavelmente paga entre 7,5% e 27,5% de IRPF. Mas, se seu sustento viesse não de um salário, mas das vendas das cotas de ETFs que você acumulou ao longo da vida, você acabaria pagando menos IR do que paga hoje, caso hoje você esteja na metade superior das alíquotas do IRPF... ).
Forte abraço, e até a próxima parte!