Espero que tenham tido uma boa Páscoa! A propósito, esqueci de dizer no meu post anterior, mas muito obrigado pelas mais de 1.000 visualizações no blog! No momento em que escrevo estas linhas, já passou das 1.500, e o post anterior foi o mais visualizado até agora, conforme as estatísticas do blogger! Tudo isso me dá motivação para continuar escrevendo e estudando mais. Aliás, todos devemos estudar mais e tentar evoluir sempre.
(ainda estou devendo aquele "post mais técnico" que disse que estava escrevendo no meu texto sobre a oficina mecânica onde trabalhei...)
Dito isto, vamos ao post de hoje:
Nos maravilhosos dias do feriadão da Semana Santa, estive conversando com um parente que está naquela fase de cursinho pré-vestibular. Perguntei, por alto, para quais cursos o pessoal da turma dele queria prestar o vestibular. Como era de se esperar, a maioria queria medicina e em segundo lugar, direito (pelo visto essa turma não chegou a conhecer o Pobretão). Fiquei surpreso com o fato de ninguém da turma dele querer engenharia, além de haver alguns casos isolados de alunos querendo cursos muito específicos (alguns que eu nem sabia que existia faculdade, como "pintura", "dança", etc.) e outros que só vejo caminho profissional no mundo dos concursos públicos (que estão cada vez mais raros e mais difíceis de passar). Além disso, ninguém queria administração ou ciências contábeis, o que também é, de certa forma, surpreendente, visto que são dois cursos "clássicos".
A impressão que a conversa me causou é que as pessoas continuam saindo da escola sem realmente saber o que querem fazer da vida, o que, aliás, não me surpreendeu. Não acredito, por exemplo, que todos os que querem fazer o vestibular de medicina realmente tenham vocação para ser médico. Acredito que muitos tenham escolhido medicina pelo status, pelo salário e alguns só porque "é o que se espera". Direito continua sendo bem procurado, mesmo com a relativa escassez de concursos públicos. Será que todos irão trabalhar em escritórios de advocacia? Será que a maioria vai virar autônoma e conseguir criar "do zero" suas carreiras? E quanto ao pessoal dos cursos mais específicos? Onde será que trabalharão? Eu penso o seguinte: se as pessoas que vão para estes cursos muito específicos (principalmente os das áreas mais artísticas) o fazem pensando em arranjar empregos, provavelmente irão se decepcionar, pois não há muitos empregos para pintores (no sentido artístico do termo) ou para dançarinos - o que não quer dizer que não haja trabalho. Acho que se tais pessoas entraram nestes cursos pensando em atuar como autônomos ou empreender de alguma forma nestas áreas, então pode ser que tenham mais chances, mas não acredito que aprendam na faculdade aquilo que é necessário para empreender, visto que provavelmente seus futuros professores não são empreendedores.
Outras perguntas que essa conversa me trouxe: quantas vagas existem para estes cursos? Será que todos os anos todas são preenchidas?
A principal pergunta: realmente vale a pena que tais cursos sejam de nível superior e sigam o modelo padrão de bacharelado, ou seja, 8 semestres, com TCC no final e uma porção de matérias que só existem por exigência do MEC?
Eu acredito que, ao longo de décadas, foi vendida no Brasil a ilusão de que "todos precisam ter ensino superior". Uma explicação para isso, creio, é que antigamente, no tempo de nossos avós:
1) Quase todo mundo era analfabeto ou só tinha o curso primário (hoje, 7,2% dos brasileiros são analfabetos, conforme o IBGE, mas a realidade é pior, pois a pesquisa não considera os analfabetos funcionais);
2) Quase todo mundo era muito pobre (mas por outro lado, conseguiam criar um monte de filho, juntar um dinheirinho e ainda acabavam comprando terrenos e construindo casas)
3) A grande maioria vivia de trabalhos braçais ou empregos do tipo vendedor, caixa de mercado, entregador, etc. (para se ter uma ideia, ser caixa de banco já foi considerado um emprego "top dos tops", de alto status e prestígio social)
Em parte por causa das condições listadas acima, o sonho de nossos avós era que seus filhos fossem "doutores", ou seja, que fizessem faculdade (desde aquela época a preferência era a tríade Medicina-Direito-Engenharia) e trabalhassem "de terno e gravata" para não sofrerem as agruras e desconfortos dos trabalhos braçais e ajudarem a família a escapar da pobreza (hoje em dia, os trabalhadores de escritório sofrem tanto quanto ou mais do que os braçais, só que de maneira diferente)
Desde aquela época, o número de faculdades aumentou, bem como a variedade de cursos superiores (alguns pela especialização dos conhecimentos, como é o caso da biologia e das engenharias, que são bem ramificadas; mas houve outros cursos superiores que, me parece, foram simplesmente "inventados", não sei com que objetivo, além de cursos técnicos que, por alguma razão, foram "elevados" à alçada de curso superior).
O que o IBGE tem a nos dizer a respeito dos resultados das políticas públicas de educação (e quais são as possíveis falhas destas informações)?
1) Surpreendentemente, apenas 15% dos brasileiros têm nível superior completo (https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/apenas-15-dos-brasileiros-tem-ensino-superior-completo-mostra-ibge-113091/), o que daria uns 30 milhões de diplomas, altamente concentrados nas capitais - e ainda temos que considerar os efeitos perniciosos da proliferação de "uniesquinas", bem como a má qualidade de várias das faculdades públicas (senão de todas);
2) Cerca de 26% têm ensino médio completo (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo), o que daria por volta de 52 milhões de pessoas - novamente, temos que considerar que isto é apenas um dado numérico que não atesta a qualidade do ensino médio das pessoas.
3) Cerca de 51% dos adultos têm ensino fundamental (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo) - apenas um dado numérico, que no fundo não quer dizer muita coisa, pois de que adianta ter o fundamental completo se a pessoa for analfabeta funcional ou ter dificuldades até para somar e subtrair? A pesquisa não reflete isso
Dito isto, vamos ver que hoje a situação dos brasileiros não mudou muito:
1) A maioria da população sabe ler e escrever, mas muitos não sabem interpretar o que estão lendo ou escrevendo (esta é a definição de analfabetismo funcional, para quem não sabe, e isso nunca está refletido nas pesquisas sobre analfabetismo)
2) A maioria ainda é pobre (com padrão de vida mais "confortável" [questionável!] do que o de antigamente, no geral, mas por outro lado, muitos não conseguem mais comprar terrenos e construir casas)
3) A grande maioria ainda trabalha em empregos do tipo caixa de mercado, vendedor, entregador, motorista, etc. e quase não há vagas que exijam mais competências técnicas e intelectuais.
Acredito que uma das explicações para o número 3, acima, seja a seguinte: como a economia brasileira nunca experimentou um verdadeiro boom de surgimento de empresas, principalmente nas áreas de uso intensivo de capital e empresas de tecnologia (afinal, até hoje só temos praticamente "1 companhia de petróleo, 1 mineradora, 5 bancos, 6 empreiteiras e 200 milhões de patos"), acontece que a maioria dos empregos é gerada por empresas pequenas, o que faz com que a maioria deles seja de baixa capacitação: não é necessário nenhum curso para ser vendedor, caixa, estoquista, repositor de produtos, recepcionista, atendente, etc. O problema é que a cultura do "doutor" criou na cabeça das pessoas (e, consequentemente, na dos políticos) de que é imprescindível ter nível superior e que fazer faculdade é um "direito sagrado" de cada cidadão. O governo (notoriamente os de esquerda), faminto por capital político, atende a este anseio da população por direitos, e autorizou através do ministério da educação a criação de diversos cursos superiores e abertura de várias faculdades públicas, sem realmente planejar esse processo.
Um resultado disso é que todo ano se forma uma quantidade de profissionais de nível superior maior do que o mercado pode absorver, em diversas áreas. Mesmo que o percentual de brasileiros com nível superior pareça ser baixo (15%), o fato de existirem poucos empregos que realmente exijam mais conhecimentos e qualificação contribui para o achatamento dos salários para profissionais deste nível. Ou seja, a oferta de mão de obra qualificada (número de formandos) na maioria das áreas é superior à demanda (vagas de empregos para pessoas qualificadas). Sabendo que há um "exército" de profissionais sendo formados todos os anos, as empresas são incentivadas a pagar o menor valor possível - afinal, se o profissional estiver insatisfeito com o salário, ele que vá embora, pois há mais de mil querendo aquela mesma vaga, e muitos até aceitariam ganhar menos. Essa é uma das razões para os salários no Brasil serem, na média, bem baixos. Acho que este é bem o caso dos advogados: muitos se formando todos os anos, e poucos escritórios para absorver essa mão de obra abundante.
Uma explicação possível para o item 2, acima, reside no fato de que, como eu disse antes, a maioria dos empregos gerados no país não requer muita formação profissional, acadêmica, técnica, etc. Quando as exigências são baixas, o número de pessoas capazes de desempenhar as tarefas da vaga aumenta muito, ou seja, a oferta de mão de obra é ainda maior, superando em muito a demanda. Novamente, o empresário sabe que para cada funcionário reclamando do salário, tem uns 100 mil disponíveis no mercado que aceitariam trabalhar até por menos, o que faz com que muitos destes empregos paguem apenas o salário mínimo. O resultado disso é muita pobreza.
Uma outra razão para os salários baixos e a pobreza são os direitos trabalhistas: cada empregado custa cerca de duas vezes o próprio salário para seu empregador >> o que, grosso modo, significa que ele poderia ganhar "o dobro" ou que a empresa poderia contratar mais um para dividir o trabalho, caso tais direitos não existissem. Não acho que todos os direitos trabalhistas sejam um mal, apenas acho que alguns deles precisam ser revistos, mas esta é uma questão complexa demais para que a solução seja do tipo "é só cortar os direitos" ou "é só criar mais direitos, proibir isso e aquilo"
Se a realidade aqui fosse diferente e, por exemplo, tivéssemos mais empresas de uso intensivo de capital (por exemplo, mais montadoras de carros, mais siderúrgicas, metalúrgicas, fundições, petroquímicas, fábricas em geral) ou de alta tecnologia (por exemplo, se tivesse surgido no Brasil alguma empresa parecida com a IBM, Apple, etc.), acredito que teríamos, sim, muito mais vagas para engenheiros de diversas áreas, para profissionais de TI, químicos, etc. E quanto mais avançadas fossem as máquinas usadas na produção, e quanto mais houvesse empresas grandes e ricas o suficiente para possuir verdadeiros departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), maior qualificação seria exigida do profissional, de modo que não seria tão fácil para a empresa encontrar um substituto, o que empurraria para cima os salários desse pessoal qualificado.
Outra coisa preocupante dessa mentalidade brasileira de "preciso ter curso superior" é que muitos dos que não conseguem passar para suas áreas de interesse no vestibular vão para a segunda, terceira ou quarta opção, mesmo que esta não tenha nada a ver com a primeira, só porque "têm que ir pra faculdade", pois "é o que a sociedade espera", e aí vemos bizarrices como, por exemplo, pessoas que tentam medicina, não passam, mas têm nota para cursar história da arte e então vão por este caminho; ou pessoas que tentaram alguma engenharia, não tiveram nota suficiente, e vão cursar administração. Isso é mais comum do que parece. Porque a pressa? Só para ter um diploma? É necessidade de arrumar emprego para ajudar os pais? Alguns argumentam que começam a cursar a faculdade que tiveram nota para passar para "não perder tempo", mas isso geralmente é ilusão: provavelmente vão perder 4 anos estudando coisas que não queriam (e para realmente aprender qualquer coisa é preciso querer!) e para as quais, talvez, não haja mercado, o que poderá fazê-las penar por anos em sub-empregos ou empregos de baixo salário. Isso não é perder tempo? E, convenhamos, a maioria dos universitários não são alunos exemplares, e só estão lá para cumprir as exigências do MEC e pegar o diploma. Chega a ser assustador, se pensarmos bem, mas é mais uma verdade que precisa ser dita: muitas pessoas preferem ter um diploma ao invés de quererem realmente aprender a produzir, criar, gerar valor, etc. e isso só pode ser prejudicial para cada indivíduo e, uma vez que todas as variáveis sociais e econômicas estão interrelacionadas, nos prejudica a todos como sociedade: do ponto de vista puramente material, quanto menos pessoas realmente souberem fazer coisas, criar, produzir, etc. menos riqueza será produzida na sociedade, menos soluções serão encontradas, etc. E do ponto de vista moral/espiritual, temos mais pessoas frustradas (ainda que a nível subconsciente), desmotivadas, depressivas, etc. o que também é péssimo para a sociedade, afinal as pessoas têm que encontrar felicidade e motivação.
E agora temos essa polêmica envolvendo o Presidente Bolsonaro e os cursos de humanas. Para mim ele está certo, temos que redirecionar recursos públicos para cursos que agreguem mais valor aos indivíduos que neles estudam. Obviamente, já tem gente reclamando disso (mais um sintoma da mentalidade do "é meu direito sagrado ir para a faculdade"), como se as nossas faculdades de filosofia (ou qualquer outra no mundo) realmente formassem filósofos - e não bacharéis em filosofia (e, para piorar as coisas, aqui no Brasil e em boa parte do ocidente, as faculdades de humanas em geral se tornaram "lacrolândias", onde nada de bom sai).
Realmente, sou forçado a acreditar que a cultura do "filho doutor", bem como a do "direito sagrado de fazer faculdade" e a maneira como a educação é conduzida no Brasil são grandes vícios do povo brasileiro, verdadeiros monstros fomentados ao longo de décadas, e ainda sofreremos e trabalharemos muito para combatê-los. Não esperem que venha um salvador da pátria, ou um "super-ministro da educação", para resolver estes problemas, pois consertar sozinho e em pouco tempo este estrago de décadas é humanamente impossível, por melhor que seja a intenção de quem se disponha a cumprir tal empreitada.
A valorização da verdadeira educação, a busca por conhecimento e aperfeiçoamento, o resgate da alta cultura são iniciativas individuais. Cada um tem que fazer sua parte.